Delegado da PF no caso Milton Ribeiro diz que houve interferência na investigação
Na cúpula da PF, a reação foi de surpresa em relação à postura do delegado
O delegado federal responsável pelo pedido de prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro afirmou em mensagem enviada a colegas que houve "interferência na condução da investigação".
Bruno Calandrini diz no texto que a investigação foi "prejudicada" em razão de tratamento diferenciado dado pela polícia ao ex-ministro do governo Jair Bolsonaro.
No texto encaminhado a outras pessoas que participaram da operação deflagrada nesta quarta-feira (22), o delegado agradece o empenho, mas diz não ter "autonomia investigativa para conduzir o inquérito deste caso com independência e segurança institucional".
Calandrini conduz a apuração que culminou na Acesso Pago, ação que mirou os desvios no Ministério da Educação.
Na cúpula da PF, a reação foi de surpresa em relação à postura do delegado. A decisão da direção foi de abrir um inquérito para o caso dizendo que vai apurar as denúncias. Na prática, a apuração servirá para ver se Calandrini tem como provar o que está dizendo.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, a PF alegou risco de segurança e restrições orçamentárias para manter o ex-ministro em São Paulo em vez de transportá-lo para Brasília.
Segundo ele, a ação da direção do órgão para supostamente evitar o translado demonstra a interferência e acarreta em falta de autonomia para que ele conduza a apuração com independência e segurança institucional.
"O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em SP é demonstração de interferência na condução da investigação, por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial deste caso com independência e segurança institucional", diz trecho da mensagem.
No entendimento do investigador, a operação foi prejudicada por causa do suposto "tratamento diferenciado" concedido ao ex-ministro.
"A investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada no dia de ontem em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro."
Ainda de acordo com o texto do delegado, Ribeiro, apontado por ele como o "principal alvo" da operação, "foi tratado com honrarias não existentes na lei".
Nos bastidores, integrantes da cúpula da PF afirmam que ficaram sabendo na noite anterior à operação de toda a logística que seria necessária para cumprimento dos mandados de prisão e busca e apreensão e que, por isso, não foi possível fazer o planejamento adequado.
"Apesar do empenho operacional da equipe de Santos que realizou a captura de Milton Ribeiro, e estava orientada, por este subscritor, a escoltar o preso até o aeroporto em São Paulo para viagem à Brasília", completa Calandrini em sua mensagem.
Calandrini diz ainda que comunicou ao seu superior a situação e que irá manter a postura "de que a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton a Brasília à revelia da decisão judicial".
A transferência de Ribeiro de São Paulo para Brasília foi ordenada pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal do Distrito Federal.
No mandado de prisão do ex-ministro constava que o translado deveria ser realizado assim que a prisão fosse efetuada.
Ribeiro foi preso em Santos na manhã da quarta e levado para superintendência da PF em São Paulo.
No início da tarde, o advogado Daniel Bialski, que representa Ribeiro, acionou a Justiça para reverter a transferência, mas teve o pedido negado em um primeiro momento pelo magistrado de Brasília.
Em seguida, a PF interveio e conseguiu uma mudança na decisão de Borelli.
A Folha de S.Paulo apurou que a PF apontou questões financeiras que dificultam a transferência com aeronaves próprias e também risco de segurança para colocar o ex-ministro em um voo comercial.
Foi essa atuação da direção da PF que desagradou o delegado e resultou na postagem no texto no grupo de policiais.
A investigação comandada por Calandrini foi iniciada após as reportagens sobre o esquema de liberação de verbas no MEC.
O ex-ministro pediu demissão do cargo dias após a Folha de S.Paulo revelar áudio em que ele afirmava priorizar a liberação de verba para indicações dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura.
Ribeiro e os pastores, ambos ligados ao presidente Jair Bolsonaro, foram presos. Também foram detidos Luciano de Freitas Musse, advogado e ex-assessor do MEC, e Helder Bartolomeu, ex-assessor da Prefeitura de Goiânia.
Agentes federais estiveram na sede do MEC, em Brasília, em uma operação que trouxe novo desgaste a Bolsonaro a pouco mais de três meses das eleições.
A ação desta quarta-feira foi batizada de Acesso Pago e investiga a prática de "tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos" do FNDE.
Com base em documentos, depoimentos e um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) foram mapeados indícios de crimes na liberação de verbas do fundo. Ao todo, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão em Goiás, São Paulo, Pará e Distrito Federal.
No mandado de prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli listou os crimes investigados e que podem ter sido cometidos pelo ex-ministro. São eles: corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
A decisão de prisão de Ribeiro e dos pastores foi revertida nesta quinta-feira (23) por decisão do juiz federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O ex-ministro já foi solto.
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