Investigação acusa Bento XVI de omissão em caso de padre pedófilo

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Investigação acusa Bento XVI de omissão em caso de padre pedófilo

A investigação contabilizou ao menos 497 vítimas de abuso entre 1945 e 2019

Crédito: Divulgação

Um relatório independente publicado nesta quinta-feira (20) acusa o papa emérito Bento 16 de encobrir casos de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica da Alemanha. Arcebispo de Munique e Freising de 1977 e 1982, Joseph Ratzinger - nome de Bento XVI - não teria impedido que um padre abusasse de quatro meninos, de acordo com os autores do relatório.

"Ele sabia dos fatos", afirmou Martin Pusch, que fez parte da apuração. "Acreditamos que ele pode ser acusado de má conduta em quatro casos. Dois deles são relacionados a abusos cometidos durante a sua gestão e punidos pelo Estado. Em ambos os episódios, os perpetradores seguiram ativos no cuidado pastoral", disse o advogado, do escritório Westpfahl Spiker Wastl.

Encomendada pela arquidiocese para apurar casos na sua jurisdição, a investigação contabilizou ao menos 497 vítimas de abuso entre 1945 e 2019. O número ainda pode ser ainda maior, já que os investigadores apontam que pode haver centenas de outros casos que nunca foram denunciados.

A maioria das vítimas era do sexo masculino e 60% tinham entre 8 e 14 anos. Entre os 235 autores dos abusos estão 173 sacerdotes, 9 diáconos, 5 agentes de pastoral e 48 pessoas do ambiente escolar, destaca o texto.

Parte da tarefa dos advogados responsáveis pelo relatório era descobrir que autoridades da igreja na região estavam cientes dos episódios e quais medidas -se alguma- foram tomadas para coibir a prática.

Por razões óbvias, houve especial interesse em avaliar a conduta de Ratzinger durante os cinco anos em que esteve à frente de arquidiocese. "Em quatro casos, chegamos a um consenso de que houve uma omissão", disse Pusch, acrescentando que Bento XVI negou "estritamente" a responsabilidade nos casos. "Ele ainda alega desconhecimento, ainda que, em nossa opinião, isso seja difícil de conciliar com a documentação."

Os especialistas disseram estar convencidos de que Ratzinger sabia que o padre Peter Hullerman havia praticado abusos por décadas sem ser incomodado. Em 1986, Hullerman foi condenado a prisão com possibilidade de suspensão condicional da pena. Depois, foi transferido a outra cidade, onde teria reincidido nos abusos. Apenas em 2010 o padre foi forçado a deixar a vida eclesiástica.

À época, Bento XVI era papa e, em resposta ao escândalo, disse que nunca teve conhecimento do passado de Hullermann - versão que os investigadores agora contestam. O secretário particular do papa emérito, Georg Gänswein, disse que Ratzinger acabara de receber o relatório, que possui 1.800 páginas, e daria a "atenção necessária" nos próximos dias.

"O papa emérito, assim como fez durante seu pontificado, expressa choque e vergonha sobre os abusos de menores por clérigos", afirmou Gänswein, acrescentando que Bento 16 estava rezando pelas vítimas.

Aos 94 anos, ele vive no Vaticano desde que abdicou da posição de líder da Igreja Católica, em 2013. Nos quatro anos anteriores ao momento em que assumiu a posição de papa, Ratzinger chegou a chefiar o principal braço doutrinário do Vaticano, a Congregação para a Doutrina da Fé, que lidera as investigações sobre abusos sexuais na igreja.

Sem mencionar o papa emérito, o Vaticano informou que vai analisar a íntegra do relatório e manifestou solidariedade às vítimas. "Ao reiterar o sentimento de vergonha e remorso pelo abuso de menores por parte do clero, a Santa Sé assegura sua proximidade com todas as vítimas e confirma o caminho que percorreu para proteger os pequenos e garantir-lhes um ambiente seguro."

No início do mês, um documento interno da Igreja Católica obtido pelo jornal alemão Die Zeit já havia sugerido que Bento 16 acobertou casos de abuso sexual contra menores dentro da instituição na década de 1980. O papa emérito, no entanto, negou que tivesse conhecimento do crime à época.

O caso envolve o mesmo padre Peter Hullermann, que, entre 1973 e 1996, teria abusado de pelo menos 23 meninos com idades entre 8 e 16 anos enquanto ocupava diferentes posições na igreja. Um decreto eclesiástico da arquidiocese de Munique, de 2016, ao qual o Zeit teve acesso, mostra que a instituição criticou o comportamento dos clérigos, incluindo Ratzinger, diante dos abusos.

O grupo Somos Igreja, que pede a reforma da instituição, pediu que Bento XVI encare o que chamou de sua responsabilidade moral. "Uma admissão pessoal de culpa por suas ações ou inações naquela época é um gesto de necessidade urgente e seria um grande exemplo para outros bispos e líderes ao redor do mundo."

A investigação na arquidiocese de Munique e Freising também apontou má conduta do atual arcebispo, Reinhard Marx, 68, em dois casos suspeitos. O clérigo, que não está sob suspeita de ter participado do abuso, pediu desculpas às vítimas.

"Como o atual arcebispo, eu peço desculpas em nome da arquidiocese pelo sofrimento causado nas pessoas na região da igreja nas décadas recentes." Ele prometeu ainda uma resposta completa ao relatório na próxima segunda-feira (27).

Marx assumiu em 2008 e é um dos conselheiros mais próximos do papa Francisco. No ano passado, o pontífice inclusive negou sua renúncia diante da crise de abusos sexuais.

A Igreja Católica da Alemanha, assim como em outros países, enfrenta diversas acusações nos últimos anos. Em 2018, a instituição pediu desculpas às vítimas após um relatório apontar que clérigos abusaram de cerca de 3.700 pessoas entre 1944 e 2014.

Uma outra apuração, na arquidiocese de Colônia descobriu 314 vítimas abusadas por 202 autores de 1975 a 2018, sendo que oficiais da Igreja falharam em seus deveres em 75 casos. 

 

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