Primeira finalista trans do concurso Deusa do Ébano do Ilê Aiyê se sente realizada
Laís Fennell é modelo e nasceu em Salvador, no bairro de Canabrava.
O concurso Deusa do ébano, realizado pelo bloco afro Ilê Aiyê, elege todos os anos uma mulher negra para representá-lo no carnaval. Este ano, a 42ª edição recebe, pela primeira vez, o bailado afro de uma finalista trans.
Laís de Araújo Ferreira, ou simplesmente Laís Fennell, é a mulher que abre as portas para a comunidade trans no desfile, aos 26 anos. Nascida em Salvador, no bairro de Canabrava, é esteticista e modelo, além de carregar um longo currículo no mundo da moda.
Idealizadora do Miss Canabrava Gay, e vencedora de vários concursos como o Miss Subúrbio Gay, Laís contou como a moda a ajudou na sua identificação enquanto mulher trans. ''É um escape para que a gente possa militar, se auto-afirmar e passar a nossa mensagem'', disse.
Ao falar sobre ter chegado na final do concurso, a emoção toma conta de Laís. A modelo relata que era um sonho muito antigo ocupar esse espaço e unir sua história com a do bloco. Para ela, estar na Noite da Beleza Negra é poder mostrar a sua realidade e luta diária.
''A sensação está sendo de realização. Não consigo mensurar a emoção. Estar lá é poder mostrar que a luta está aí para ser vencida. Estou muito feliz, principalmente por ser a primeira. A primeira mulher trans que quebrou esse tabu, que buscou e chegou lá''.
História com o Ilê
A relação de Laís com o mais belo dos belos nasceu ainda na infância. Filha de um dos percussionistas do Bloco Afro Muzenza, a esteticista criou uma afinidade com os blocos afros de Salvador e se apaixonou pelo Ilê.
A modelo relata que a conexão verdadeira com o bloco nasceu no início da sua transição e que foi no bloco onde ela encontrou inspiração e força para traçar sua história.
''Me encantei e me apaixonei muito pelo Ilê. Me identifiquei em como o bloco conduz toda a história de luta e isso me fortaleceu na época da transição.''
O amor permaneceu e segue fazendo parte da vida de Lais. Agora é ela quem retribui e se torna marcante no espaço em que a acolheu, ensinou e ajudou a trilhar seu caminho. Quando questionada sobre o sentimento pelo Ilê, a modelo não excita em responder ''gratidão''.
''Sou muito grata ao bloco por ter me ajudado a me entender como uma mulher trans, preta. A lutar pelo meu espaço, a fazer história e abrir diversas oportunidades para outras mulheres como eu, além de me permitir gritar para que possam me ouvir''
''Outras como eu podem ocupar o mesmo espaço''
Laís acredita que conseguir estar na final do concurso abrirá portas para outras mulheres trans terem a sua beleza exaltada, dando um verdadeiro sentido à palavra representatividade.
''Enquanto mulher negra e trans, me sinto incluída em participar dessa oportunidade que o Ilê nos dá, de quebrar a estatística de que uma mulher como eu tem que estar nas ruas. Quero mostrar que outras como eu, podem ocupar o mesmo espaço".
A euforia da realização de um sonho, vem acompanhada do desejo por mais. Se ver em outros lugares, e estar neles, até que a primeira tenha chegado há muitos anos atrás.
''Seria muito importante que todas nós, mulheres trans, tivéssemos visibilidade em todos os espaços. É preciso que abram espaço para a comunidade''.
Para o fundador e presidente do Ilê, o músico Antônio Carlos dos Santos, carinhosamente chamado de Vovô do Ilê, o mérito da conquista de finalista é completamente de Laís. Vovô diz que o bloco sempre foi e continuará sendo um espaço de acolhimento, livre de preconceitos e julgamentos.
''O Ilê sempre foi um espaço inclusivo e que abraça a todos. Ela chegou nesse espaço graças a ela.''
Deusa do Ébano
A Noite da Beleza Negra é uma verdadeira exaltação à mulher preta. Fazendo história desde 1975, para os organizadores, a "Deusa do Ébano" tem a missão de levar ao público o encanto e consciência que a mulher negra necessita para elevar a autoestima e censo crítico.
Os critérios para seleção da Deusa é o nível de consciência cidadã em relação ao papel da mulher negra na sociedade, a performance em dança afro, conhecer a trajetória do grupo e ter entre 18 e 30 anos.
A noite é considerada uma das principais ações afirmativas do bloco Ilê Aiyê, cumprindo desde a sua primeira edição o papel de resgate de amor pela mulher negra, baiana e brasileira.
A vencedora deste ano, irá representar o bloco no Carnaval de 2023, quando o Ilê Aiyê dedicará o seu tema ao centenário do angolano Agostinho Neto .
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