Maioria das mulheres brasileiras teme violência doméstica, assédio e feminicídio

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Maioria das mulheres brasileiras teme violência doméstica, assédio e feminicídio

Pesquisa foi realizada pelo Ipespe a pedido da Febraban

Crédito: Depositphotos
Pesquisa inédita exclusivamente com mulheres, Observatório FEBRABAN revela que mais metade das brasileiras já foram vítimas ou presenciaram alguma situação de preconceito ou discriminação contra mulheres, impressão que aumentou na pandemia.

As mulheres brasileiras enxergam avanços na igualdade de direitos com os homens na última década, mas ainda temem por suas vidas e sua integridade física e mental, além de terem consciência de que, atualmente, ainda estão travando uma batalha diária contra a discriminação e por seus direitos no trabalho, na família, na escola/universidade e nas suas relações sociais.

Feita exclusivamente com mulheres, a 10ª Edição do Observatório FEBRABAN -- Pesquisa FEBRABAN-IPESPE mostra que oito em cada dez entrevistadas se dizem insatisfeitas ou muito insatisfeitas com a forma como as mulheres são tratadas na sociedade brasileira. A violência e o assédio, seguidos do feminicídio e da desigualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, são os principais pontos negativos.

A grande maioria considera que há desigualdade entre mulheres e homens quanto à remuneração ou salários, direitos e liberdade sexual. É predominante também o conhecimento de que o Brasil é um dos países que mais matam mulheres. Um terço indica o machismo como principal causa desse quadro e um quinto aponta que a impunidade ou falta de leis mais rigorosas levam a essa situação.

A violência é disseminada. Mais da metade das brasileiras viram ou tomaram conhecimento sobre mulheres próximas que foram vítimas de situações de violência verbal, física ou sexual. Também passam da metade as que já foram vítimas ou já presenciaram alguma situação de preconceito ou discriminação contra mulheres: na rua, no transporte público; em festas ou locais de entretenimento.

A pesquisa Observatório FEBRABAN Mulheres, Preconceito e Violência, realizada entre os dias 19 de fevereiro a 2 de março, com 3 mil mulheres nas cinco regiões do País, traça um amplo quadro desse problema no país e se alinha aos esforços de investigar a situação das mulheres brasileiras e de combater o preconceito e a violência. Nesse levantamento, é superlativa a impressão de que os casos de violência contra a mulher aumentaram durante a pandemia da Covid-19. Juntamente aos dados nacionais, verifica-se um recorte sobre o sentimento nas cinco regiões do país.

"Indo direto ao ponto, a pesquisa nos faz um sério alerta de que, mesmo com os avanços dos últimos anos, as mulheres no Brasil ainda são, com frequência, vítimas de violência, assédio, preconceito e discriminação e de que precisamos de políticas e ações afirmativas que enfrentem esse grave problema social", diz Isaac Sidney, presidente da FEBRABAN. "Não podemos pensar em desenvolvimento e crescimento social e até econômico sem combater esse tipo de mazela."

Caracterizando a violência contra a mulher no Brasil, quase oito em cada dez respondentes indicam a casa como o lugar onde as situações de violência, ameaça e assédio ocorrem com mais frequência e sete em cada dez citam pessoas próximas ou conhecidas - atuais ou antigos cônjuges, companheiros e namorados -- como principais agressores.

"Se esse quadro, por si só, já evidencia a situação de vulnerabilidade a que as mulheres estão expostas, ele se agrava quando metade declara que as vítimas não procuram ajuda ou não denunciam. E isso acontece em função do medo, principalmente de represália ou perseguição, e também de serem desacreditadas", aponta o sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do IPESPE.

Quando as lentes são colocadas sobre o ambiente de trabalho, expressivos 40% afirmam já terem sido vítimas ou conhecerem alguém que já sofreu algum tipo de assédio moral nesse espaço por ser mulher. Percentual semelhante também aponta assédio sexual. Em ambos os casos, apenas um terço das entrevistadas declara que houve denúncia formal à empresa.

Desigualdade de gênero no Brasil

Apesar de 56% das entrevistadas afirmarem que a questão da igualdade de gênero no Brasil "melhorou" ou "melhorou muito" nos últimos 10 anos, 80% se declaram insatisfeitas ou muito insatisfeitas com a forma como as mulheres são tratadas na sociedade brasileira. As mulheres pretas (89%) se mostram mais insatisfeitas do que as brancas (78%) e pardas (80%) em relação ao tratamento dado à mulher.

No geral, a sociedade brasileira é percebida como muito desigual entre homens e mulheres quanto a:

remuneração e salários (82%);
liberdade sexual (71%);
direitos em geral (71%)

Violência contra mulheres

Questionadas sobre as principais preocupações das brasileiras, as entrevistadas citam em destaque (como primeira resposta) a violência e o assédio contra a mulher (40%) -- entre as solteiras, o percentual é 45% - seguida do feminicídio (26%). Uma soma de 66% para o item violência de gênero. A grande maioria das entrevistadas (70%) declara saber que o Brasil ocupa a 5ª posição em mortes violentas de mulheres.

Motivação para violência

O machismo (31%) é apontado como principal motivação para os crimes violentos cometidos contra as mulheres. A impunidade ou falta de leis mais rigorosas contra o agressor (20%). Uma série de outras razões associadas ao machismo também são citadas, que somam 40%:

ciúme (19%)
sentimento de posse em relação às mulheres (10%)
não aceitação do fim de um relacionamento (7%)
restrição à independência profissional, econômica, social ou intelectual da mulher, manifestação de desprezo pela mulher (4%)

Violência cotidiana

A maioria responde afirmativamente quando perguntadas se foram vítimas ou presenciaram situações de preconceito ou discriminação contra a mulher em ambientes públicos. A experiência pessoal ou conhecimento de vítimas se referem aos mais variados espaços públicos:

na rua (67%)
no transporte público (56%)
em festas ou locais de entretenimento (54%)
no ambiente de trabalho (42%)
na escola ou universidade (39%)

Violência doméstica

Quanto à violência verbal, física ou sexual, mais da metade (55%) das entrevistadas afirmam ter sido vítimas ou terem tomado conhecimento de mulheres próximas que foram vítimas de ameaça, insulto, assédio ou agressão; chegando esse número a 63% na faixa etária de 18 a 24 anos. Mais mulheres pretas (61%) do que brancas (52%) e pardas (58%) declaram ter sido vítimas ou tomaram conhecimento de alguém que foi vítima de violência verbal, física ou sexual. A casa comparece como principal local da violência contra a mulher, sendo apontada por 77%.

O agressor

É consensual a percepção de que os autores de violência verbal, física ou sexual contra as mulheres foram pessoas conhecidas ou próximas da vítima (69%).

77% citam atuais cônjuges, companheiros e namorados
36% citam ex-cônjuges, ex-companheiros e ex-namorados
17% mencionam chefes/colegas de trabalho
16% apontam vizinhos
12% dizem padrasto/madrasta
9% pai/mãe
6% irmão/irmã
6% filho/enteado

Violência e pandemia

É generalizada a percepção de que a violência contra a mulher aumentou na pandemia da Covid-19 (83%). Essa opinião é maior entre as mulheres pretas (87%) do que entre as brancas (81%) e as pardas (83%). Para 70% homens e mulheres sofreram igualmente os impactos da pandemia nos setores econômico e de trabalho, enquanto 25% creem que as mulheres sofreram mais do que os homens impactos nesses setores.

Violência e ambiente de trabalho

40% das entrevistadas já sofreram ou conhecem alguém que sofreu assédio moral no local de trabalho por ser mulher. Esse percentual é muito similar ao das que apontam o assédio sexual também no ambiente profissional (38%). Em ambos os casos, somente um terço (33%) disse ter havido denúncia do crime. As mulheres de maior nível de escolaridade e de renda são as que declararam a experiência pessoal ou de terceiras com o assédio moral ou sexual no ambiente de trabalho e que também fazem denúncia.

Busca por ajuda

Metade das entrevistadas (51%) acredita que as mulheres vítimas de agressão, assédio ou ameaça não procuram ajuda ou denunciam junto a órgãos oficiais ou policiais. Somente 30% das vítimas agem dessa forma. Além desses, 14% buscam apoio informal de amigos, familiares ou conhecidos; e apenas 1% procura os diretores/gestores das empresas ou instituições onde ocorreu o fato.

Na opinião da maioria isso acontece função do medo de represália e de perseguição (59%), sentimento que sinaliza uma relação de poder entre o agressor e a vítima. Uma relação assimétrica ou de dependência com o agressor também está na base de duas outras respostas: não perder ou se prejudicar no trabalho (11%), e depender financeiramente do agressor (2%).

Um quinto (19%) refere-se à vergonha, 15% expressam o medo de que não acreditem no fato e 10% citam a falta de confiança na Justiça.

A Delegacia da Mulher é a referência mais positiva em termos de proteção e apoio nas situações de violência de gênero, sendo citada por quase oito em cada dez entrevistadas como a principal opção a recorrer.

Punição

Para punir o homem que comete violência contra mulher, 45% indicam a prisão. Bem atrás estão as medidas protetivas (8%), a participação em grupos de reeducação (3%) e o uso de tornozeleira eletrônica (2%). Para 40%, deve-se aplicar todos esses dispositivos.

Sobre a Legislação, 69% reconhecem que mudanças ocorridas nos últimos anos, como a Lei Maria da Penha, têm contribuído para a igualdade e o combate à violência contra a mulher. Dentre as ações voltadas à proteção das mulheres, a Campanha Sinal Vermelho contra a violência doméstica da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é conhecida por 60% das entrevistadas.

Ícones nacionais e o feminismo

Quase sete em cada dez entrevistadas (68%) não sabem citar qualquer personalidade de destaque no tema de igualdade de gênero. Entre as poucas menções, aparecem os nomes de Maria da Penha (8%), Dilma Rousseff (3%), Marielle Franco (3%) e Anitta (2%). São citados como acontecimentos que representaram avanços para as mulheres no Brasil a Lei Maria da Penha (50%), o direito ao voto (19%) e a entrada mais significativa da mulher no mercado de trabalho (10%).

Outros avanços considerados importantes são: o maior acesso à educação (7%); e a pílula anticoncepcional (4%). 64% das entrevistadas consideram o feminismo um fator de impacto "positivo e muito positivo" na busca pela igualdade de direitos e oportunidades para as mulheres.

Já quando questionadas sobre o impacto do feminismo na vida pessoal de cada uma, a atribuição de impacto "positivo e muito positivo" diminui um pouco (56%); um quarto diz que foi "indiferente" (26%).

Mulheres no comando

A grande maioria (81%) afirma que as empresas deveriam ter mais mulheres integrando seus Conselhos, e 55% alegam que tais organizações deveriam estabelecer uma quantidade mínima obrigatória de mulheres para ocupar esses espaços. É expressiva, entretanto, a parcela que sustenta que não deveria ocorrer qualquer tipo de intervenção nesse sentido, deixando-se a ocupação dos cargos seguir os critérios da competência e do merecimento das mulheres (40%). De forma similar, 70% das entrevistadas creem que o número de mulheres que ocupam cargos políticos e na administração pública hoje é insuficiente.

Políticas afirmativas

O percentual que defende ações afirmativas para garantir uma quantidade mínima obrigatória de mulheres na política (40%) é inferior ao daquelas que aderem à tese da meritocracia (55%). Por fim, 56% das entrevistadas acreditam que a questão da igualdade de gênero irá melhorar ou melhorar muito nos próximos 10 anos. Alinhada à percepção de que o cenário atual é melhor do que o de 10 anos atrás, a impressão é a de que os avanços nesse campo são graduais e progressivos.

 

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Sábado, 30 Novembro 2024

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