Entenda disputa entre profissões pelo mercado de harmonização facial

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Entenda disputa entre profissões pelo mercado de harmonização facial

Grande demanda por procedimentos estéticos faz oferta crescer

Crédito: Shutterstock

 Nesta semana, foi a vez do "antes e depois" de uma mulher de 68 anos da Turquia viralizar nas redes sociais. Em agosto, o posto ficou com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que passou por uma harmonização orofacial. O feed do Instagram está constantemente repleto de resultados e ofertas para lipo de papada, rinomodelação, preenchimento facial, aplicação de toxina botulínica (o famoso botox) e por aí vai. Com o aumento da demanda, os procedimentos estéticos saíram da exclusividade de cirurgiões plásticos e dermatologistas, englobando também profissionais como dentistas, biomédicos, enfermeiros e esteticistas. Diante da diversidade de oferta, surge então a dúvida. Todo mundo quer, mas, afinal, quem tem o direito de mexer no seu rosto?

Segundo dados mais recentes da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o número de procedimentos estéticos realizados no Brasil em 2022 cresceu cerca de 390% em relação a 2021. Ao mesmo passo, ainda de acordo com a instituição, de 2017 a 2023, foram 1.180 denúncias recebidas sobre profissionais não médicos realizando procedimentos estéticos invasivos de forma ilegal. As autorizações estão a cargo do conselho de cada profissão. Quanto às injeções de substâncias, estão autorizados, mediante cursos de especialização, além de médicos, profissionais como dentistas, enfermeiros, farmacêuticos estéticos, biólogos, biomédicos, esteticistas e fisioterapeutas estéticos.

Os profissionais de odontologia, por exemplo, passaram a poder realizar procedimentos de harmonização orofacial a partir da resolução 198 do Conselho Federal de Odontologia, de 2019. O requisito é uma especialização com carga mínima de 500 horas. A harmonização orofacial foi reconhecida como especialidade odontológica, permitindo aos dentistas o uso de toxina botulínica e de preenchedores faciais.

Quem aposta na odontologia estética encontra um mercado cheio de oportunidades e bons salários. Uma sessão de aplicação de toxina botulínica, procedimento estético mais realizado atualmente no Brasil, pode custar entre R$1.500 e R$3.000. A dentista Juliana Rangel, de 24 anos, se formou em 2022 e já entrou na faculdade sabendo o que queria. Assim que concluiu o curso, passou a fazer a especialização em harmonização orofacial, que ainda está em andamento.

"Não me vejo fazendo outra coisa, estou realizada em poder levantar a autoestima das pessoas", diz. Sobre os salários, ela confirma que trata-se de uma área bem remunerada. "É o que dizem…mas ainda não estou rica. O retorno é alto, mas o investimento também", completa Juliana.

Médicos de um lado e dentistas de outro

Mesmo com as autorizações dos variados conselhos, alguns médicos se mostram contra a realização de procedimentos estéticos invasivos por profissionais não médicos, como os dentistas. O argumento utilizado é o de que apenas um curso ou especialização não é suficiente e que cada vez mais danos à saúde de quem se submete aos procedimentos com outros profissionais estão sendo registrados e chegando às mãos de cirurgiões plásticos e dermatologistas, por exemplo, para reparação dos danos.

A dentista de Pernambuco Rafaela Cavalcanti, especialista em prótese, ganhou destaque no noticiário nacional em 2020 após se submeter a uma rinomodelação com ácido hialurônico em uma clínica odontológica que terminou na necrose do seu nariz.

O dermatologista Sérgio Palma, da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), fala em uma "onda de invasão de competências da área médica". Para ele, apenas profissionais aptos a tratarem complicações deveriam ser autorizados a realizar os procedimentos estéticos invasivos. "Sabemos que com o próprio médico também podem haver complicações. A questão é que os médicos estão habilitados a reconhecer as intercorrências e a agir de forma a evitar danos. Falam que queremos reserva de mercado, mas não é nada disso", coloca Palma.

Ele afirma que a Sociedade Brasileira de Dermatologia possui 16 processos judiciais em curso contra conselhos de classe de diversas profissões, "visando declarar a ilegalidade de resoluções que aumentaram as competências de profissionais, algo que só poderia ser feito por meio de lei federal do congresso nacional".

O dermatologista, no entanto, faz questão de ressaltar que, dentro da odontologia, há outros tipos de procedimentos estéticos, como cirurgias bucomaxilofaciais, e que não vê problemas quanto a isso. "O que somos contra é a fuga do escopo de atuação da odontologia para a área de procedimentos faciais de contexto de preenchimentos, por exemplo, com fundo apenas estético", coloca.

Já o cirurgião-dentista e presidente da Comissão de Harmonização Orofacial do Conselho Regional de Odontologia da Bahia (CRO-BA), Marcos André Oliveira, defende que há uma conexão antiga da odontologia com a estética e que é possível, sim, ir além. "A estética para a odontologia é algo consagrado; o que é recente é a mídia, a alta demanda e o número de problemas que acabam acontecendo. E é algo natural porque obviamente quanto mais procedimentos você faz, maior a porcentagem das intercorrências", pontua.

Oliveira defende que o aumento do escopo de profissionais habilitados para realizem os procedimentos proporciona a democratização destes, possibilitando que pessoas "de fora da elite" possam ter acesso, através do barateamento. Ele coloca ainda que os dentistas estão, sim, aptos a realizarem os procedimentos, citando os diversos estudos ao longo da formação na faculdade de odontologia. "Eu sou professor de anatomia. A gente estuda durante cinco anos cabeça e pescoço. A gente não estuda só dente, estuda nervos, músculos, ossos da face, farmacologia, patologia, enfim. Se há uma demanda, se eu estudo, se eu domino, por que não fazer?", coloca.

Oliveira, no entanto, reconhece que há "exageros" por parte de alguns conselhos, sem citar exemplos. "É um leque de procedimentos e de profissões que precisa de uma organização porque alguns profissionais acabam extrapolando as suas competências. Alguns conselhos, na minha opinião, exageram. Agora, quando falamos de dentistas, que têm formação, não estamos fazendo nenhum tipo de aventura com procedimentos estéticos", diz o cirurgião dentista.

O profissional ainda coloca que não são todos os procedimentos estéticos que podem ser realizados por qualquer dentista, como o próprio conselho determina. "Dentro da odontologia você pode aplicar toxina botulínica, preenchimento facial, bioestimuladores de colágeno, por exemplo. Mas outros procedimentos mais complexos, como lipoaspiração mecânica, bichectomia, encurtamento de lábios e a colocação de fios faciais de tração, que são cirurgias mesmo, aí somente com cirurgiões dentistas ou médicos", diz Oliveira.

Os riscos e os cuidados

O cirurgião plástico Alexandre Kataoka, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e da Sociedade Brasileira de Perícias Médicas, alerta sobre problemas oriundos de procedimentos mal sucedidos.

"Se o profissional não sabe aplicar, pode aplicar em uma área venosa e isso causa embolização de uma artéria que leva o sangue para a parte de trás do olho e aí o paciente fica cego. Se um preenchedor pega num vaso, falta oxigenação e a pessoa tem uma necrose de pele. Além disso, infecções por conta de preenchedores acontecem toda hora; basta uma técnica inadequada de assepsia para levar a bactéria para dentro", explica Kataoka.

O dermatologista Sérgio Palma alerta que todo procedimento estético invasivo (que perfura a pele) precisa de uma série de cuidados, como um passo a passo. "É preciso ter uma consulta antes para avaliar riscos, doenças prévias do paciente, para afastar contraindicações", alerta Palma. "Hoje as pessoas estão fazendo consultas por telefone. A pessoa liga para a clínica falando 'quero 2 ml de ácido hialurônico. Quanto sai?'", pontua o cirurgião plástico Alexandre Kataoka.

Para verificar se o profissional está habilitado para realizar o procedimento, a indicação é checar o CRM e o RQE, em casos de médicos. O CRM é o registro do médico no Conselho Regional de Medicina no estado em que o profissional atua. Já o RQE é o Registro de Qualificação de Especialista. O primeiro é obtido com a conclusão do curso de medicina e, o segundo, após a residência médica ou pós-graduação seguida de prova de título de especialista. Um dermatologista, por exemplo, terá o CRM de médico e o RQE de especialista em dermatologia.

A consulta do CRM e o RQE pode ser feita através do site do Conselho Federal de Medicina (CFM). Caso o profissional não seja um médico, é possível checar as regras do conselho profissional através do site da instituição e ainda solicitar a comprovação de realização de curso especializado na área, conforme exigências do conselho.

Também vale destacar a importância de verificar a procedência das substâncias utilizadas no procedimento estético, que precisam ser aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por fim, é preciso checar se o local onde o procedimento será realizado está autorizado para tal finalidade.

As vigilâncias sanitárias municipais são as responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos de saúde, o que inclui os estabelecimentos que realizam procedimentos estéticos. Para funcionarem, eles precisam de um Alvará de Saúde, que, conforme o Código Municipal de Saúde (Lei Municipal n° 9.525/2020), deve ser fixado em local visível ao público, informou a Secretaria de Saúde de Salvador (SMS) através de nota.

O Ministério Público da Bahia (MP- BA) e o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) foram procurados pela reportagem para informarem sobre processos em curso no estado por razão de erros em procedimentos estéticos, realização ilegal de procedimentos estéticos e disputas na Justiça pelo direito de realização de procedimentos estéticos, mas os órgãos informaram que, devido aos sistemas não possuírem tais recortes, não foi possível localizar processos do tipo.

O boom dos procedimentos estéticos

Segundo a psicóloga e coordenadora do Núcleo de Apoio psicopedagógico (NAP) da universidade Unex, Cida Vieira, a valorização da aparência física na sociedade moderna e o estabelecimento de padrões de beleza estão ligados ao acesso à informação e a comparação social gerada incentivada pelas redes sociais. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), 459 mil cirurgias plásticas estéticas foram realizadas entre 2007 e 2008. Já em 2020, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), foram feitas 1.306.962 intervenções cirúrgicas estéticas no Brasil.

O crescimento do ramo tem levado não só dentistas como também investidores a apostarem nos procedimentos estéticos; e as celebridades não ficam de fora do mundo corporativo. Em 2022, a atriz Flávia Alessandra e o comunicador Otaviano Costa passaram a ser os novos sócios da rede de clínicas de estética facial Royal Face, que tem três unidades em Salvador e outras três espalhadas pela Bahia. A empresa é comandada pela cirurgiã dentista Andrezza Fusaro.

Os mais de 40 procedimentos oferecidos vão desde limpeza de pele, microagulhamento e peeling, até lipo de papada, preenchimento labial e aplicação de toxina botulínica. A empresa encerrou 2022 com um faturamento de R$ 245 milhões e projeta atingir uma receita superior a R$ 300 milhões em 2023.

"Oferecemos um curso intensivo, auxílio e fiscalização para os colaboradores receberem o atestado de qualidade e estarem aptos a atuarem de maneira segura e responsável dentro das clínicas. Temos muita robustez na equipe técnica e também na parceria com os principais players mundiais de injetáveis para levarmos produtos e serviços de extrema qualidade, testados e garantidos pelas maiores indústrias do setor mundialmente", diz Andrezza Fusaro.

 

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Domingo, 08 Setembro 2024

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