Bolsonaro propõe corte de 58% em órgão que administra dados do SUS
Pela proposta enviada ao Congresso, o órgão teria R$ 140,2 milhões disponíveis ao próximo ano
O governo Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Congresso a proposta de Orçamento para 2023 prevendo um corte nominal de 58% na verba do DataSUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde), o que despertou receios sobre a vulnerabilidade dos dados geridos pelo órgão.
O departamento é responsável pelo desenvolvimento e gestão de sistemas do SUS sobre filas para consulta e procedimentos, também de notificações de doenças, entre outros serviços. Além disso, lida com informações sensíveis de milhões de usuários dos serviços de saúde.
Pela proposta enviada ao Congresso, o órgão teria R$ 140,2 milhões disponíveis ao próximo ano, enquanto a verba sugerida para 2022 foi de R$ 330 milhões (em valores correntes).
O DataSUS ganhou projeção durante a pandemia por administrar aplicativos de certificação das vacinas contra a Covid, como o ConecteSUS.
O departamento foi alvo de críticas por vazamentos de dados do governo e ações de hackers nos sistemas do Ministério da Saúde. Os números sobre o avanço da Covid chegaram a ficar sem atualização após ataque no fim de 2021 aos dados da pasta.
O médico sanitarista e pesquisador Giliate Coelho, que foi diretor do DataSUS em 2015, afirma que o corte aumentará a vulnerabilidade em falhas e invasões de um serviço que atende grande parte do país. "A maior parte dos municípios não tem recurso para contratar soluções de tecnologia e depende do Ministério da Saúde", disse.
A verba reservada ao DataSUS alcançava R$ 512 milhões em 2019, primeiro ano de governo Bolsonaro, mas despencou desde então.
Um auxiliar do ministro Marcelo Queiroga diz que o corte pode atrapalhar contratações para garantir a "segurança e disponibilidade" dos sistemas.
Em nota, o Ministério da Saúde declara que está atento "às necessidades orçamentárias e buscará, em diálogo com o Congresso Nacional, as adequações necessárias". A pasta não informou quais serviços podem ser atingidos pelo corte no DataSUS.
Coelho lembra que o departamento lida com dados sensíveis, como da lista de pessoas que têm determinada doença. "Essas informações precisam estar muito bem protegidas", disse ele.
"Se não há investimento, esses sistemas ficam obsoletos. Se o sistema está lento, o médico vai preferir usar o papel", afirmou Coelho.
Para pesquisadores, o corte sinaliza desinteresse do governo em tornar o departamento protagonista do debate sobre a estratégia de saúde digital.
Diretor da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, Rafael Zanatta afirma que a Saúde propõe reduzir a verba do DataSUS no momento em que os gastos com cibersegurança "só crescem" em grandes corporações.
Zanatta afirma que os vazamentos recentes de dados do SUS refletem baixo investimento e falta de rotina de segurança de informação.
Pesquisador da Fiocruz e membro da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Marcelo Fornazin destaca que não há uma carreira própria para o DataSUS e que o órgão tem ampliado a terceirização de serviços.
Especialistas ainda apontam que o corte ocorre em meio à proposta da Saúde de criar o "open health", um processo inspirado no "open banking" de compartilhar dados de clientes entre operadoras de saúde.
"Fico preocupada com o tipo de proveito que se possa tirar com a entrega de dados sensíveis da população brasileira para a iniciativa privada, ainda mais nesse cenário de enfraquecimento do DataSUS e do SUS em geral", afirma Raquel Rachid, pesquisadora da USP e do Lapin (Laboratório de Políticas Públicas e Internet).
Em nota, o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) cobrou que seja uma prioridade fortalecer a governança dos sistemas de informação e as tecnologias de proteção de dados.
"Além disso, o enfraquecimento do sistema público de saúde, decorrente da redução progressiva no financiamento federal, é grave e precisa ser corrigida com urgência", afirmou o conselho.
Bolsonaro enviou a proposta de Orçamento para 2023 com uma previsão de corte de 42% nas verbas discricionárias do Ministério da Saúde, usadas na compra de materiais, equipamentos e para investimentos.
Pela proposta enviada ao Congresso, o órgão teria R$ 140,2 milhões disponíveis ao próximo ano, enquanto a verba sugerida para 2022 foi de R$ 330 milhões (em valores correntes).
Se a tesourada for confirmada, programas como o Farmácia Popular e o Médicos pelo Brasil vão perder mais da metade da verba. Pressionado pela disputa eleitoral, Bolsonaro afirma, sem apontar uma solução, que irá recompor o orçamento da Saúde.
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