Proteger mãe vira motivação para Iasmin Lucindo se tornar atleta de MMA
Aos 12 anos, ela precisou defender sua mãe das agressões do pai
Quanto tempo leva para uma pessoa se tornar lutadora? No caso de Iasmin Lucindo foi aos 12 anos, antes mesmo de iniciar a prática de artes marciais. Para defender sua mãe, Vaneide, e uma tia das agressões de seu pai e tio, a pequena se agigantou. E de momentos de terror, nasceu a inspiração para querer conhecer formas de se proteger e de proteger sua família.
No momento da agressão, ela era pequenininha mesmo. Quando ele (pai) foi pra cima de mim, ela montou no pescoço dele. Ele até me deu um tapa. Ela o segurou e até então acalmou-se tudo. No momento foi eu, ela e ele. Agradeço todo o dia a Deus por ela estar dentro de casa porque poderia ter sido pior. Foi um coisa ruim e no mesmo instante despertou uma coisa boa nela. Porque ali estava entre mim e ela pra gente se defender. Foi o momento que uma criança de 12 anos se tornou um leão. Foi ela e Deus, porque ele estava muito agressivo", disse Vaneide Lucindo, mãe de Iasmin
O episódio fez Vaneide denunciar e fazer valer a lei Maria da Penha ao conseguir uma medida restritiva contra o pai de Iasmin. "Até um certo momento, ele foi um ótimo pai. mas ele foi mudando. Vivi treze anos com ele, depois ele mostrou o monstro que ele tinha dentro dele. E foi da pior maneira que ele poderia mostrar. Que foi agredindo ela. E ela deixou ele. Quando deu o primeiro tapa, eu tinha uma visão do meu pai, ele era um herói pra mim, um herói, e vi ele se tornar um vilão. Foi tudo por água abaixo, desconstruiu o que eu construí ", contou Iasmin, que hoje tem 20 anos e é de Fortaleza.
O caso com o pai não foi o único na juventude de Iasmin. Uma tia dela também foi vítima de violência doméstica e, mais uma vez, o instinto de proteção da hoje lutadora se fez presente. " Eu estava sentada, minha mãe e eu estávamos conversando, e meu tio chegou transtornado. Olhava pro semblante dele e era totalmente diferente, ele arrastou minha tia pro chão. E ela sem entender porque estava apanhando. Pensei: "Meu Deus do céu, vou gritar". Porque era muito pequena. Chegava e a via de óculos, porque ela não poderia mostrar porque estava com o olho cheio de marca. E ela sempre escondia aquilo. Na última agressão, a gente estava no aniversário do meu padrasto. Começou aquela bebedeira e ele começou a estranhar e bater na minha tia. Quando ele começou a bater na minha tia, a minha reação… eu já era mais grandinha, minha ação era protegê-la, mas nessa época tinha mais gente. Não sei de onde tirei forças, mas agarrei ele por trás e fiquei segurando como se fosse minha vida, só queria proteger minha tia e minha mãe.
Como sempre gostou de esportes, ir para as artes marciais não foi uma mudança drástica na vida de Iasmin. A motivação para lutar é que foi diferente. Mais do que a parte técnica, a academia também foi terapia. "Sempre fui muito fechada em relação a isso, a tudo o que acontecia na minha casa, com minha família. Vim começar a expor agora porque pra mim era uma coisa que era minha. É uma história muito sensível pra minha mãe, e até mesmo pra mim. Em um certo momento, falei: "Tenho que colocar isso pra fora", porque posso pegar essa história e tornar motivacional pra outras pessoas, ou me tornar um adulto de traumas na infância, cheia de traumas e cheia de medo. Posso tornar isso motivacional pra mim. E foi pra defender minha mãe, defender minha família. Como não teve só com minha mãe, teve com outras pessoas da minha família. E em todas eu estava presente. Todas!".
Com uma infância e adolescência tão turbulenta e o sonho de aprender artes marciais e se tornar lutadora, Iasmin precisou se desdobrar para dar conta de tudo. Além dos estudos e da luta, ela precisava trabalhar para ajudar nas contas de casa. Entre outras funções, exerceu as de vendedora em uma feira e de entregadora das quentinhas que a mãe fazia. "Sempre fui atrás, sempre gostei de ter minhas coisas, sempre fui muito determinada naquilo que eu queria. Então minha mãe me falou: "Iasmin, você nunca vai passar fome comigo, mas se você quiser ter seus luxos, suas coisas, você vai ter que trabalhar, porque infelizmente eu não vou poder dar isso a você". Isso ficou na minha cabeça e eu tinha apenas 12 anos. Foi aí que comecei".
"A Iasmin foi a minha primeira entregadora de quentinha. Quando ela estava aqui comigo, eu não tinha uma moça que me ajudava. Não tinha como entregar porque a gente só entrega aqui por perto. Ela pegava as quentinhas, anotava os pedidos, entregava as quentinhas, que é o mesmo trabalho que a outra moça faz, mas ela era a que fazia esse trabalho das entregas das quentinhas. E tem uma coisa…era rápida, viu?", elogiou Vaneide.
Depois de iniciar em um projeto em seu bairro, Parque Genibaú, na periferia de Fortaleza, Iasmin ouviu falar que o lutador Marcos Maju tinha aberto sua academia. Ela juntou dinheiro, se inscreveu e rapidamente passou a fazer parte da equipe e não precisou mais pagar mensalidade.
"Cheguei só pra treinar mesmo. Fazia parte de um projeto no Genibaú mesmo. Só que eram só duas vezes na semana, e eu queria treinar mais. Aí o Maju abriu uma academia, todo mundo falando dela, e eu falava: "Meu Deus do céu, tenho que ir, tenho que ir". Na época eu trabalhava na feira, aí disse: "Vou juntar o dinheiro pra ir. Juntei o dinheiro da mensalidade, e disse: "Mãe, vou treinar, lá no Maju". Cheguei lá e tinha muita gente, e eu sou muito tímida. Era bem caladinha, não falava nada, acho que foram uns dois meses sem falar nada. Só chegava, treinava e saía. E o Maju chegou perto de mim e perguntou: "Iasmin, você quer lutar?". E eu disse: "Quero, quero lutar. Estou aqui, vamos lutar".
Para trilhar o caminho de lutadora profissional de MMA, Iasmin contou inicialmente com as ajudas de Marcos Maju e do preparador físico Cleiton Domingos. Mas do que auxiliá-la na parte técnica e física, eles precisaram também fazer papel de psicólogo muitas vezes.
"Ela vê a mãe dela como herói, como espelho. O tanto que a mãe dela trabalha, ela se sente na obrigação de batalhar o mesmo tanto. A Iasmin sempre foi muito reservada na vida dela. Naquela hora que ela ia pra academia, ela ia só pra aprender. Naquela hora, se ela tivesse me passado isso, talvez pudesse prejudicar um pouco, então ela sempre foi muito reservada sobre essa história de violência doméstica. A gente veio saber ao longo do tempo, ela já estava se tornando atleta profissional. Tipo assim: problema de casa, ela resolvia na casa dela. Problema de academia, ela resolvia dentro da academia", relatou Maju.
"A Iasmin, nesses anos que a gente tem tido esse contato, ela mudou não só fisicamente, porque fisicamente é notável, mas a mudança da Iasmin foi tipo que ela envelheceu uns 20 anos. A Iasmin de 15 anos que a gente conheceu pra Iasmin hoje, com 20 anos de idade, parece que ela envelheceu 20 anos, amadureceu 20 anos. Está muito mais experiente. Então hoje ver tudo o que está acontecendo na vida da Iasmin por puro merecimento, poder acompanhar isso, traz uma emoção, um sentimento de libertação, você saber que vale a pena acreditar no seu sonho e no sonho dos outros. Costumo dizer: "Acredite naqueles que sonham e se possível faça parte deste sonho". Graças a Deus que faço parte do sonho da Iasmin", acrescentou Cleiton.
Iasmin faz coro ao discurso de Cleiton Domingos e acredita que o esporte foi fator fundamental para que ela atingisse a maturidade que tem hoje, mesmo ainda jovem. Em sua carreira no MMA, ela tem cartel de 13 vitórias e quatro derrotas e venceu seus últimos sete compromissos. No último deles, pelo Cage FS, fez sua estreia internacional e superou a italiana Lucrezia Ria por decisão unânime, na Áustria.
"Acho que se não fosse a luta, essa maturidade que o esporte me deu, até hoje seria uma adulta revoltada com meu pai, mas a luta me ensinou que a gente não tem necessidade disso, temos que trazer coisas boas que evoluem. Eu quero evoluir mais e mais não só como atleta, mas como pessoa e preciso me libertar do passado", contou Iasmin.
Como todo atleta de MMA, Iasmin Lucindo sonha com uma oportunidade no UFC e atualmente ela treina em Feira de Santana, na Bahia, na Academia Fight House, do treinador Renato Velame.
"Quero ter contrato com um evento que me pague bem para eu conseguir comprar uma casa pra minha mãe. Esse é meu grande sonho e meta. Quero estar em um evento grande, tipo o UFC. Aqui no Brasil a gente é muito diminuído pela nossa profissão, a gente não ganha bem. Já cansei de lutar eventos que não me pagavam nada, mas eu ia porque isso é um currículo pra mim, não estou pensando no dinheiro, estou pensando no futuro", destacou Lucindo, que deixou um conselho para as mulheres que sofrem com violência doméstica.
Denuncie! Pra mim, quem bate em mulher não é homem de verdade, não é homem de caráter, não só no relacionamento, mas no geral. Quem bate em outra pessoa, não é uma pessoa de verdade, não é um ser humano, que leva amor. Saiam disso, de pessoas abusivas", Iasmin Lucindo.
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