Fala de Nikolas Ferreira ao lado de Jair Bolsonaro expõe direita acuada e mira mobilização
Para políticos e pesquisadores, a mensagem reforçou a ideia de perseguição e sufocamento
A fala do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) de que talvez as atuais gerações não vejam novamente um presidente da República de direita, feita ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na avenida Paulista no domingo (25), foi além da admissão de que o segmento passa por dificuldades.
Para políticos e pesquisadores ouvidos pela reportagem, a mensagem reforçou a ideia de perseguição e sufocamento do campo conservador com as investigações sob a guarda do STF (Supremo Tribunal Federal) e busca estimular a base bolsonarista a se manter mobilizada, apesar das incertezas.
Um dos poucos a discursarem na manifestação, Nikolas fez alusões à Bíblia, pregou perseverança e disse aos correligionários que a atual geração ficará marcada como a dos que "persistiram e não desistiram".
"Moisés não chegou a ver e entrar na terra prometida, mas teve um jovem chamado Calebe que entrou. Se não fosse a força de Moisés, Calebe não teria entrado. Talvez nós não veremos o Brasil prometido, mas os nossos filhos, os filhos dos nossos filhos, verão um Brasil novamente verde e amarelo", afirmou.
"Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas um dia nós veremos um presidente de direita retornar à Presidência da República do nosso país."
O parlamentar reforçou os termos ao postar no X (antigo Twitter) que "falou com o coração" quando estava no caminhão de som. "O Brasil prometido depende de nós. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas venceremos", escreveu, lembrando a todo tempo de um inimigo a ser combatido.
"Cada geração tem um propósito. A nossa tem o objetivo de fortalecer a próxima", reiterou ele em entrevista à revista Oeste nas imediações do ato.
Outros representantes da direita negaram constrangimento, disseram concordar com a avaliação de Nikolas -apesar de verem algum exagero- e atribuem o cenário a uma ofensiva que estaria unindo o STF, sobretudo o ministro Alexandre de Moraes, e o governo Lula (PT) para sufocar o campo rival.
"Gostei muito da fala", diz o deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL-MG).
"Nós estamos lutando hoje e acreditamos que vamos ter a vitória. Não quer dizer que necessariamente irá demorar várias gerações, mas que, ainda que venha a demorar, não vamos arrefecer nem perder nossa força de vontade. Vou lutar para que aconteça na próxima [eleição], mas o tempo não depende de mim."
Segundo o aliado de Nikolas, a má fase se deve a "forças muito grandes", com "pessoas extremamente poderosas que estão utilizando o poder que têm para esmagar o Estado democrático de Direito e os direitos humanos e políticos [da direita]". Questionado, o mineiro diz estar se referindo a Moraes.
O vereador Rubinho Nunes (União Brasil-SP) afirma ter a mesma preocupação de Nikolas, em virtude "dos excessos praticados, da leniência de setores que deveriam se impor e da sanha autoritária por parte dos poderosos, especialmente PT e Lula, que ameaçam a alternância de poder".
Nunes, que vê a inelegibilidade de Bolsonaro como o principal exemplo da perseguição política aos conservadores e considera "uma falácia" a minuta do golpe, diz que o diagnóstico feito pelo deputado na Paulista soa como um alerta.
"É necessário que o nosso campo tenha perseverança e que comece a semear algo que talvez eu não veja [dar resultados], mas que vai aprontar esse retorno [à Presidência]", afirma o vereador da capital paulista.
A ex-deputada estadual Janaina Paschoal diz não ser "tão fatalista" quanto Nikolas na leitura de que um novo presidente de direita pode demorar várias gerações. No entanto, a advogada, que no mandato (2019-2022) conciliou acenos aos conservadores e críticas pontuais ao então presidente, reconhece que a eleição de 2026 será difícil para a direita, "justamente pelos excessos de Bolsonaro e do bolsonarismo".
O discurso do deputado também foi visto por alguns como uma espécie de anúncio antecipado de uma pré-candidatura dele ao Planalto -o que só poderia ocorrer a partir de 2031, já que ele não tem a idade mínima (35 anos) para concorrer ao mais alto cargo da República.
Seguidores o saudaram como "futuro presidente" em postagens com trechos da fala na Paulista. A reportagem não conseguiu contato com o parlamentar nesta segunda-feira (26).
Na esquerda, as palavras de Nikolas que pintam um futuro sombrio para a direita foram analisadas com cautela. O discurso nos bastidores é o de que o bolsonarismo, embora momentaneamente combalido, tem condições de dar demonstrações de fôlego nas eleições municipais de outubro.
O próprio Bolsonaro, ao se dirigir aos manifestantes, citou o pleito deste ano: "Vamos caprichar no voto, em especial, para vereadores e prefeitos também. E nos preparemos para 2026. O futuro a Deus pertence". Inelegível, o ex-mandatário não indicou até o momento quem seria seu sucessor.
"No que depender do PSOL, nenhum projeto autoritário e antipopular voltará a governar o Brasil", diz a presidente nacional do partido, Paula Coradi, ao ser instada a comentar a fala do parlamentar.
"O fato é que a direita e a ultradireita não têm projeto para o país. Seu poder político se baseia na tática do medo para mobilizar o eleitorado conservador com pautas de costumes baseadas em mentiras", segue a dirigente do partido que tem Guilherme Boulos como pré-candidato a prefeito de São Paulo.
A socióloga Esther Solano, que é professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e estuda o bolsonarismo desde 2017, enxerga no discurso de Nikolas o reconhecimento de que "termina um período" em que a direita é liderada por Bolsonaro, enquanto se abre uma disputa por seu espólio político.
Para a pesquisadora, o ex-presidente "enfrenta problemas que são inegáveis até para a própria base dele" e está em curso um debate entre os simpatizantes sobre "o bolsonarismo sem Bolsonaro".
Ela diz que, ao entrevistar cidadãos bolsonaristas, inclusive de perfil mais radical, sobre o futuro, ouve também analogias bíblicas e a previsão de que o grupo atravessará "um longo deserto". Parte deles considera, inclusive, que Lula poderá ser reeleito ou fazer seu sucessor.
"Há uma estratégia [de Nikolas] para manter a base aquecida, o que se faz basicamente com simbologia. Vemos esse tom cristão, com moralização da política, guerra espiritual e ideia de bem contra o mal."
Na ótica do cientista político Jorge Chaloub, professor das universidades federais do Rio de Janeiro e de Juiz de Fora, a mobilização dos apoiadores foi um dos eixos da manifestação. "Ele [Nikolas] está tentando acenar para ele mesmo. É um discurso interessado, de alguém que fala em líderes do futuro e ao mesmo tempo se apresenta como um candidato a ocupar esse posto", diz.
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