Bancada ruralista no Congresso derruba veto de Lula ao marco temporal

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Bancada ruralista no Congresso derruba veto de Lula ao marco temporal

Um desses vetos foi sobre o trecho que dava aval para o contato com povos isolados 

Crédito: Waldemir Barreto/Agência Senado

O Congresso Nacional derrubou, nesta quinta-feira (14), o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei que institui a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Como antecipou a Folha de S.Paulo, houve um acordo entre governo e a bancada ruralista para que a derrubada do veto fosse parcial, com a manutenção de três vedações.

Um desses vetos foi sobre o trecho que dava aval para o contato com povos isolados para "prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública".

Em outro ponto polêmico vetado por Lula -e mantido-, a proposta abria brecha para que terras demarcadas fossem retomadas pela União, "em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo".

Também permaneceu vedado o dispositivo que permitiria a plantação de transgênicos nos territórios.

A votação foi acompanhada de protestos do movimento indígena contra o marco, do lado de fora do Congresso. A ministra dos povos indígenas, Sonia Guajajara, discursou criticando a medida e depois foi ao plenário, acompanhar a sessão deliberativa sobre o tema.

A Polícia Legislativa reforçou a segurança na Câmara e no Senado em razão das manifestações e chegou a impedir a entrada da imprensa no plenário.

Os trechos que tiveram seus vetos derrubados são reencaminhados para a Presidência.

O marco temporal foi aprovado pelo Congresso em uma reação direta do Legislativo ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A tese do marco temporal é defendida pela bancada ruralista e determina que devem ser demarcados os territórios considerando a ocupação indígena em 1988, na data da promulgação da Constituição.

A proposta é criticada como inconstitucional pelos indígenas, que argumentam que o direito às terras é anterior à criação do Estado brasileiro e que, portanto, não pode estar restrito a um ponto temporal e, sim, deve ser determinado por meio de estudos antropológicos.

No início deste semestre, o Supremo decidiu contra a tese do marco temporal, utilizando dentre outros este argumento defendido por indígenas.

Em reação, a bancada ruralista no Congresso aprovou um projeto de lei que instituiu na legislação o marco.

A proposta, no entanto, tem uma série de outros dispositivos que extrapolam a questão da demarcação, mas criam brecha para exploração de recursos naturais dentro dos territórios, flexibilizam as proteções de contato contra povos isolados e permitem parcerias com não-indígenas para trabalhos nestas áreas.

O projeto foi praticamente todo vetado.

A sessão do Congresso que derrubou as vedações aconteceu dois dias após o fim da COP, a Conferência do Clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que contou com a presença de Lula, Guajajara e também do presidente da Câmara, Arthur Lira.

O petista, inclusive, citou o marco temporal e criticou a bancada ruralista em um de seus discursos, durante o evento, que aconteceu em Dubai.

"A gente tem que se preparar para entender que ou nós construímos uma força democrática capaz de ganhar o poder Legislativo, o poder Executivo, e fazer a transformação que vocês querem, ou nós vamos ver acontecer o que aconteceu com o Marco Temporal. Querer que uma raposa tome conta do nosso galinheiro é acreditar demais", afirmou, nos primeiros dias da conferência.

Paralelamente, a bancada ruralista prepara uma PEC para incluir o marco temporal na Constituição, o que faria o próprio STF ter que passar a considerá-lo em suas decisões.

A articulação contra o marco, como mostrou a Folha de S.Paulo, integra também uma ofensiva maior do Congresso, impulsionada pela oposição e pelos ruralistas, contra movimentações recentes do Supremo, por exemplo sobre aborto e drogas, nas quais parlamentares avaliam existir uma interferência indevida em suas competências legislativas.

O movimento começou quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou a PEC antidrogas, uma resposta direta ao julgamento em andamento na corte sobre a descriminalização da posse de substâncias em pequena quantidade -a análise na corte foi interrompida por um pedido de vista (mais tempo para analisar) do ministro André Mendonça.

A proposta de Pacheco, por sua vez, determina a criminalização de qualquer quantidade e qualquer substância. Ela está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e deve avançar, segundo parlamentares. 

 

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