Aumento do Auxílio Brasil não reverte tendência de votos no PT entre mais pobres

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Aumento do Auxílio Brasil não reverte tendência de votos no PT entre mais pobres

Bolsonaro recebeu 24% dos votos nas cidades mais pobres do país, ante 71% de Lula

Crédito: Divulgação

Aposta do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) para melhorar seus índices de popularidade nos setores de baixa renda às vésperas do pleito, a expansão do Auxílio Brasil não reverteu a tendência de vitória do PT nos municípios mais pobres do país.

Com 43,2% dos votos válidos até a meia-noite deste domingo (2), Bolsonaro disputará o segundo turno contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tinha 48,4%. O novo presidente eleito será conhecido no próximo dia 30.

A Folha de S.Paulo observou o padrão de votação dos dois candidatos nos municípios brasileiros, considerando a cobertura do programa social que substituiu o Bolsa Família. A análise foi realizada com 99% das urnas apuradas.

Os dados indicam que a probabilidade de Bolsonaro ter vencido em uma determinada cidade diminui à medida que aumenta a parcela de famílias beneficiadas com a transferência de renda. Padrão inverso, benéfico ao PT, é observado desde 2006.

A estatística mostra uma correlação significativa entre os números do Auxílio Brasil e das urnas. Não é possível afirmar, contudo, que haja uma relação de causa e consequência, pois outras variáveis influenciam paralelamente, como o tamanho da cidade e seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), por exemplo.

Bolsonaro recebeu 24% dos votos nas cidades mais pobres do país, ante 71% de Lula, considerando aquelas proporcionalmente mais atendidas pelo Auxílio Brasil -três quartos ou mais das famílias inscritas no programa.

Nos municípios menos beneficiados -até um quarto das famílias-, o atual presidente teve melhor desempenho, com em média 51% dos votos, contra 39% do adversário petista.

Esse padrão se repetiu nas diferentes regiões do país. Mesmo no Sul e no Sudeste, onde saiu vitorioso em todos os estados há quatro anos, Bolsonaro teve votações menos expressivas nas áreas mais pobres.

No Rio Grande do Sul, Bolsonaro obteve 32% dos votos nas cidades mais beneficiadas pelo programa social e 50% naquelas menos atendidas. Lula ficou com 62% e 41%, respectivamente, também considerando os recortes com até um quarto das famílias ou mais de três quartos das famílias inscritas.

Em Pernambuco, o candidato à reeleição ficou com 24% dos votos nos municípios mais atendidos pelo Auxílio Brasil, e 41% naqueles proporcionalmente menos dependentes. O petista, por sua vez, obteve 72% e 52%, respectivamente

A correlação neste ano, porém, foi menor do que em edições anteriores. Na faixa das cidades com três quartos ou mais das famílias atendidas pelos programas de transferência de renda, o PT chegou a obter 73% e 77% dos votos, em 2010 e 2014, respectivamente, com Dilma Rousseff.

A análise considerou os dados da apuração do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a média do número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família e pelo Auxílio Brasil nos três meses anteriores ao primeiro turno, segundo o Ministério da Cidadania, e o número de famílias por município, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Na avaliação do economista Valdemar Neto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e autor de pesquisas sobre o efeito eleitoral dos programas sociais, ao menos três fatores podem ter contribuído para que o Auxílio não tenha se revertido em um bônus para Bolsonaro nas urnas. O primeiro é o contexto econômico.

"O Auxílio veio como uma política compensatória, em um ambiente consideravelmente adverso devido à pandemia, com menos emprego e renda. Já o Bolsa Família atingiu as populações vulneráveis em um contexto de relativa estabilidade. Com isso, a sensação de melhoria das condições de vida pode ter sido maior no período do Bolsa Família, mesmo com um valor inferior", afirma.

Em segundo lugar, diz o especialista, políticas como essa precisam de tempo e maturidade para que os eleitores a reconheçam como algo de caráter permanente e duradouro, e também para que possam associá-las ao governo vigente.

"Por fim, uma possível influência nos votos em localidades mais vulneráveis pode ter sido contrabalanceada pelo fato de que muitos desses lugares são governados por políticos de oposição, como é o caso da maioria dos estados do Nordeste", conclui o pesquisador.

A professora Débora Freire, do Centro de Desenvolvimento Regional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), acrescenta que a melhora nas condições de vida dos mais pobres passa também pela evolução do emprego e pelo aperfeiçoamento dos serviços públicos.

"É ilusão pensar que um programa de transferência de renda tem a capacidade de, sozinho, determinar o voto. Com a inflação, o eleitor mais pobre faz as contas e vê que sua vida piorou", afirma. A especialista avalia ainda que a pauta moral e de costumes também tem pesado mais nas preferências políticas da sociedade.

A tendência dos resultados nos segmentos mais pobres era prevista pelas principais pesquisas de avaliação do governo e intenção de votos.

Alguns dos piores desempenhos de Bolsonaro, segundo os últimos levantamentos do Datafolha, eram registrados entre eleitores do Nordeste (22%), com renda familiar de até dois salários mínimos (26%), e pardos ou pretos (32% e 26%, respectivamente).

Especificamente entre os eleitores beneficiados pelo programa Auxílio Brasil, 58% declaravam voto no petista, enquanto 26% preferiam o atual presidente, ainda de acordo com o Datafolha.

O valor mínimo do Auxílio Brasil foi reajustado para R$ 600 em agosto -um acréscimo de R$ 200 às vésperas da campanha eleitoral. O total de famílias beneficiadas também aumentou, de 18,1 milhões em julho para 20,6 milhões em setembro.

Além disso, Bolsonaro liberou empréstimos consignados de até R$ 2.569 para beneficiários do programa. O crédito foi criticado por entidades de defesa do consumidor, devido ao risco de superendividamento das famílias de baixa renda.

O Auxílio Brasil teve especial destaque na campanha eleitoral de Bolsonaro. Nos três debates televisionados entre os principais candidatos ao Planalto, o presidente citou nominalmente o programa social por 27 vezes.

No passado, Bolsonaro foi um ávido crítico dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. "Bolsa Farelo", "moeda de troca", "compra de votos" e "voto de cabresto" foram alguns termos usados pelo então deputado federal para classificar esse tipo de política pública nos governos do PT.

A campanha de Lula resgatou no horário eleitoral de TV um desses pronunciamentos de Bolsonaro na Câmara. "Só tem uma utilidade o pobre no nosso país: votar. Título de eleitor na mão e diploma de burro no bolso para votar no governo que está aí", diz o trecho editado.

Durante a corrida presidencial, o atual presidente prometeu manter o pagamento de R$ 600 no ano que vem. No Orçamento de 2023, no entanto, o programa ficou com uma reserva de R$ 105,7 bilhões, suficiente para bancar um benefício médio de R$ 405,21.

O petista também promete manter o benefício mínimo de R$ 600. A equipe de Lula anunciou ainda a intenção de pagar um adicional de R$ 150 a crianças de 0 a 6 anos, como mostrou a Folha de S.Paulo. 

 

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