Não vacinados contra Covid-19 são maioria em casos graves e mortes
Profissionais de saúde fazem um raio-x da situação das UTIs na Bahia
A Bahia está prestes a completar dois anos do primeiro caso confirmado de Covid-19. Em abril de 2020, os esforços para controlar a doença já eram enormes e a rotina dos profissionais de saúde mudou completamente. Passado esse período e quase 29 mil mortes depois, a pandemia foi melhor controlada com a vacinação em massa, mas ainda causa óbitos e pressão no sistema de saúde pública.
De acordo com um estudo conduzido pela equipe do Laboratório de Pesquisas em Virologia da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), a vacinação mudou o perfil dos hospitalizados e vítimas da covid-19 no Brasil. Estudos em hospitais de diversos estados também apontam que a mortalidade entre não-vacinados é maior do que entre aqueles com esquema vacinal completo, com duas doses.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado da Bahia (Sesab), que apontou não dispor de informações sobre o percentual de pacientes graves na UTI que não foram vacinados ou estão com a vacinação incompleta. No entanto, profissionais de saúde relataram à reportagem que os que não se vacinaram contra a doença são maioria nas unidades médicas.
"Infelizmente, a grande maioria da presença dos casos de internações graves se deve à falta de adesão à vacinação. A maior parte dos pacientes em UTI é de não-vacinados", contou a enfermeira Stela Andrade Sá, 35 anos, que trabalha na Unidade de Pronto Atendimento da Paripe, em Salvador.
"Quando o paciente dá entrada em um hospital, algumas perguntas são feitas na admissão e um delas é se tomou a vacina. Hoje, a gente vê muito paciente grave que não tomou vacina. Quando a gente pergunta, muitos ficam com olhar cansado, sem querer responder e a maioria nem tem resposta. Também tem pacientes vacinados que foram internados, mas a maioria é daqueles que não tomaram a vacina", relatou Laila Trindade, 32, enfermeira de UTI Covid no hospital Família Sagrada.
Após os meses finais de 2021 com redução no número de casos de Covid-19, a Bahia (assim como todo o país) passou a registrar números recordes de casos ativos da doença, o que voltou a sobrecarregar os profissionais de saúde. O aumento de casos foi motivado pela variante ômicron mas, graças à vacinação, as mortes por covid não seguiram a mesma tendência.
"A demanda por leitos voltou a aumentar drasticamente e isso volta a mudar muita coisa. A gente fica sobrecarregado, são muitos pacientes para dar assistência e poucas pessoas para assistir. Corremos para fazer o que precisamos, mas é difícil diante de tanta demanda de pacientes que precisam de atendimento rápido e muitos cuidados", falou Laila Trindade.
A fisioterapeuta Renata Mascarenhas também apontou diferenças entre as ondas de covid-19, quando os casos da doença atingiram o pico. Segundo ela, antes da vacinação, os pacientes chegavam a um estado grave com maior facilidade.
"Lembro que os pacientes da segunda onda eram muito graves na maioria das vezes. Muitos eram ventilados e os que não estavam necessitavam de suporte não invasivo de ventilação. Foram muitos óbitos, o que era muito triste. Já nessa terceira onda, mesmo o hospital não sendo de referência, tivemos alguns casos covid, precisamos destinar alguns leitos exclusivos, mas o que vi foram casos bem mais leves, pacientes com sintomas muito leves, inclusive idosos", contou a profissional de saúde.
De acordo com dados da Sesab, entre os maiores de 12 anos, mais de 10,2 milhões já receberam duas doses da vacina contra a Covid-19, o que representa uma cobertura vacinal de 80,3%. Crianças de 5 a 11 anos começaram a ser vacinadas no final de janeiro e ainda estão recebendo a primeira dose.
Apesar disso, engana-se quem acredita que a vacinação é importante apenas para os mais velhos. "Tive uma paciente de 16 anos que não se vacinou e evoluiu muito rápido para uma condição grave da doença. Ela simplesmente evoluiu drasticamente e não teve chance. Talvez, se ela tivesse tomado a vacina, não estivesse desse jeito", contou Laila.
A vida de quem trata a Covid-19
Para o combate à covid-19, a Bahia dispõe de 72 unidades de pronto-atendimento exclusivo, 60 unidades de referência, sete unidades de retaguarda e 83 UPAs 24h. A maior UTI do estado é do Hospital Espanhol, em Salvador, com 126 leitos. A unidade de saúde ainda conta com 124 leitos clínicos.
Em todas essas unidades de saúde, milhares de profissionais, sejam eles médicos, especialistas, enfermeiros ou técnicos, trabalham para evitar mais mortes pela doença. A dura tarefa gera um desgaste nos profissionais, que também perderam muitos amigos e, trabalhando dentro de unidades de saúde, estavam mais expostos ao vírus.
"O maior desafio foi enfrentar um vírus novo, que sobrecarregou nosso sistema de saúde, que hospitalizou nossos colegas de trabalho. Na UPA de Paripe, perdemos um agente de portaria e um médico, ambos com a vida toda pela frente mas que, infelizmente, não estão mais presentes com a gente e principalmente com suas famílias", contou Stela.
O desafio também implica em grandes pressões emocionais. Um estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP ) publicado em setembro de 2021, apontou que 36% dos 916 profissionais da área da saúde que atuam na linha de frente possuem pelo menos um indicador de problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão, insônia e estresse pós-traumático.
Enfermeira da UPA em Salvador, Stela Andrade relatou a falta de um acompanhamento psicológico destinado aos profissionais de saúde. "Desde o início da pandemia, em 2019, vivenciamos uma alta carga emocional, precisando ter um maior controle de sentimentos, uma vez que a perda de um paciente é algo difícil de se lidar, principalmente pelo fato de suas ações estarem direcionadas mais para o lado da restauração da saúde. Na unidade, tínhamos uma coordenação muito acolhedora e presente, mas não existe um acompanhamento psicológico", disse ela.
Já no hospital Família Sagrada, um apoio é fornecido aos trabalhadores que convivem diariamente com os desafios da pandemia.
"Quando chegava em casa depois de 24 horas de plantão, o corpo estava esgotado e a cabeça trabalhando e sofrendo com a angústia. Torcia para voltar e encontrar o paciente e não ver a ficha de óbito preenchida. Nossas instituições prestaram apoio psicológico, pois havia momentos que via a morte de pacientes em segundos. Esse apoio foi muito importante diante de tantas perdas. Passou pela minha cabeça desistir, mas eu sabia que tinham pessoas que precisavam mais de mim", declarou Laila.
Após recorde casos no início de fevereiro, o mês caminha para uma melhora na sobrecarga das unidades de saúde. No início desta semana, a enfermaria adulta contava com 39% de taxa de ocupação e a UTI adulta com 58% (349 ocupados de 605 leitos disponíveis). Atualmente, a Bahia contabiliza 13.683 casos ativos da Covid-19, que já vitimou 28.977 pessoas no estado.
Com informações do A Tarde Online.
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