Estudo associa morte por Covid-19 a anomalia de célula que regula resposta imunológica
Os resultados foram publicados na revista Immunology
Um estudo feito por pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas e da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que as disfunções de células reguladoras do sistema imunológico levam à inflamação grave nos pulmões e estão associadas a casos de morte pela Covid-19.
Os resultados foram publicados na revista Immunology, reconhecida como um dos principais periódicos internacionais nesse campo.
Em desequilíbrio, o sistema imunológico pode sofrer uma inflamação muito deletéria, explicam os pesquisadores. Alguns mecanismos evitam que ela saia do controle. Um deles é a célula Treg (T reguladora), que o sistema imunológico tem para manter a inflamação em níveis saudáveis.
Em quem morre por Covid-19, a Treg entra em disfunção. Ela para de operar adequadamente e, em vez de manter a inflamação, causa uma hiperinflamação, que está associada ao óbito.
"Toda infecção precisa de uma resposta inflamatória do sistema imunológico. O organismo cria uma inflamação e mata o vírus. Se o organismo não consegue montar uma resposta imunológica, a infecção sai do controle e o paciente pode morrer", explica Helton Santiago, médico e professor associado do departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB/UFMG. "Por outro lado, a resposta inflamatória tem um limite que, se ultrapassado, pode trazer sérias consequências para a saúde do paciente e levá-lo à morte. É o que acreditamos que aconteça com a Covid-19 grave", aponta.
Para o estudo, os pesquisadores coletaram e analisaram amostras de sangue e secreções dos pulmões de um grupo com 40 internados no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital das Clínicas da UFMG, nos picos da pandemia em 2020 e 2021.
Os pacientes -todos com comorbidades, em estado grave e submetidos à ventilação mecânica- tinham entre 41 e 75 anos. Do total, 21 não resistiram à doença.
O motivo pelo qual uns morreram e outros não é desconhecido. Os parâmetros clínicos e imunológicos e o nível de comorbidade dos pacientes eram parecidos. As diferenças ficaram concentradas nas idades.
Apesar disso, o que chama a atenção é que no primeiro dia de internação no CTI, os pacientes tinham o mesmo nível de produção de interleucina 10 (IL-10) -citocina produzida pelas células reguladoras-, responsável por equilibrar a atividade de outras células envolvidas no processo; no sétimo dia, a IL-10 desapareceu nos que morreram.
"Quem sobreviveu conseguiu sustentar essa produção e até aumentar um pouco o nível de presença no pulmão", ressalta Santiago.
Por outro lado, as células reguladoras dos pacientes que foram a óbito começaram a produzir outra interleucina, a IL-17, que é pró-inflamatória.
Apesar de desconhecerem o mecanismo que leva à disfunção das células reguladoras, os pesquisadores têm algumas hipóteses que possuem relação com o funcionamento do sistema imunológico. Uma delas é a ausência da interleucina, a IL-2, que regula as atividades das células brancas do sangue, responsáveis pela imunidade.
Outra é o excesso de IL-6, que induz a Treg a uma leitura equivocada do microambiente e a se tornar pró-inflamatória.
Os cientistas acreditam que essa dinâmica não é exclusividade da Covid-19. "Estamos estudando outras doenças infecciosas que cursam com processo inflamatório e temos observado que essa célula está disfuncional. Esse mecanismo pode nos ajudar a entender outras doenças que cursam com perfil inflamatório, quando a inflamação sai do controle", afirma.
Os dados podem servir para criar novos exames prognósticos e entender, no momento em que o paciente for internado no CTI, se há sinais de que as células entrarão em disfunção.
Outro avanço é a abertura para o desenvolvimento de novas terapias. "Hoje, há medicações sendo desenvolvidas para estimular essas células. Sabendo que a disfunção delas contribui de forma importante para a evolução fatal da Covid-19, podemos começar a trabalhar terapias para retornar a função delas e evitar uma evolução fatal", finaliza.
O médico destaca que esse é o primeiro trabalho que mostra que os pacientes que vão a óbito têm disfunção clara e profunda dessas células.
Além de Helton da Costa Santiago, são autores do estudo Marcela Helena Gonçalves-Pereira, Luciana Santiago, Cecilia Gomez Ravetti, Paula Frizera Vassallo, Marcus Vinícius Melo de Andrade, Mariana Sousa Vieira, Fernanda de Fátima Souza de Oliveira, Natália Virtude Carobin, Guangzhao Li, Adriano de Paula Sábinóculo e Vandack Nobre. A equipe é multidisciplinar, formada por pesquisadores das áreas de medicina, fisioterapia, biomedicina, farmácia, biologia e estatística.
O financiamento foi da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas.
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