Polícia Federal teve maior crise de sua história no atual governo

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Polícia Federal teve maior crise de sua história no atual governo

Crises em sequência e trocas de comando - foram quatro diretores-gerais até outubro de 2022

Após se transformar em uma das instituições mais respeitadas desde a reformulação pela qual passou, no início dos anos 2000, a Polícia Federal registrou as maiores crises de sua história durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e viu a imagem arranhada por suspeitas de interferência política.

Crises em sequência e trocas de comando -foram quatro diretores-gerais até outubro de 2022, o maior número em um só mandato desde a gestão FHC (PSDB)- expuseram rachas internos e enfraqueceram o órgão a ponto de questões políticas interferirem na nomeação de delegados para cargos de chefia.

Como mostrou a Folha, de forma inédita na história da PF, uma ingerência política barrou em abril a tentativa da cúpula do órgão de trocar o então superintendente em Alagoas, Sandro Valle Pereira.

Também pela primeira vez foram formalizadas na Justiça denúncias de interferências políticas na PF. A primeira, feita pelo hoje senador eleito Sergio Moro, ex-ministro da Justiça.

A segunda, pelo delegado Bruno Calandrini, responsável pela operação que prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro.

O primeiro episódio foi arquivado. O segundo aguarda manifestação da Procuradoria-Geral da República e da ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal) .

No caso mais recente, o ministro da Justiça, Anderson Torres, afirmou ter encaminhado à PF um pedido para abrir inquérito sobre os institutos de pesquisas eleitorais, um movimento alinhado aos ataques de Bolsonaro devido à disparidade com o resultado do pleito divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Além disso, no governo atual, nomeações de delegados para cargos internos em superintendências foram barradas pela direção-geral, como nos casos do ex-coordenador-geral de repressão à corrupção Thiago Delabary e de Franco Perazzoni, que investigou o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.

Os dois foram vetados na gestão de Paulo Maiurino, terceiro diretor-geral sob Bolsonaro. Até então, as decisões dos superintendentes eram respeitadas pela direção.

As turbulências contrastam com a euforia de integrantes da corporação após a eleição de Bolsonaro em 2018 e a escolha de Moro como ministro da Justiça.

A expectativa da maioria dos policiais era a de que a bandeira do combate à corrupção levantada por Bolsonaro na campanha se traduziria em liberdade de atuação, mais investimentos e acolhimento de demandas da classe.

A realidade, porém, começou a se mostrar diferente já em 2019.

Em agosto, Bolsonaro anunciou que iria trocar o comando da PF do Rio sem consultar a direção do órgão. Ele chegou a revelar o substituto, mas uma nota da corporação negou a indicação e apontou outro nome.

A tensão se agravou, e seus desdobramentos desaguaram no pedido de demissão de Moro, em abril de 2020. O até então superministro sofria derrotas no governo e, após investida de Bolsonaro para substituir o diretor-geral Maurício Valeixo, Moro pediu para sair apontando interferência do presidente.

A denúncia resultou num inquérito que provocou fricções no órgão até março de 2022, quando a PF concluiu que faltavam provas.

Além do inquérito, o relato de Moro produziu outro fato inédito. Após a saída de Valeixo, Bolsonaro tentou nomear Alexandre Ramagem para o comando da PF, mas foi barrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

No lugar de Ramagem, alocado no comando da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o presidente nomeou Rolando de Souza, que ficou no cargo de maio de 2020 a abril de 2021.

Na sequência, assumiu a direção da PF o delegado Maiurino, que estava fora da corporação havia cerca de dez anos. Apadrinhado pelo ministro Dias Toffoli, do STF, ele ficou apenas dez meses no cargo, tempo suficiente para que sua gestão registrasse uma série de crises e fosse considerada uma das mais tumultuadas da história da corporação.

Além de vetar nomeações de desafetos, Maiurino chegou a mandar memorial ao STF em que defendeu o aumento de poder do diretor-geral, em sentido contrário à autonomia de delegados.

Seus atos acabaram por colocá-lo na mira do inquérito sobre a interferência de Bolsonaro na PF.

O delegado responsável pelo caso pediu informações sobre o episódio envolvendo a negativa da promoção de Perazzoni e a saída de Alexandre Saraiva da chefia da PF no Amazonas -os dois atuaram em casos que esbarravam em Ricardo Salles.

Maiurino foi substituído em fevereiro por Márcio Nunes, braço direito de Anderson Torres no Ministério da Justiça. Embora respeitado na corporação, Nunes já enfrentou ao menos duas crises internas.

A primeira, ao ser impedido de trocar o superintendente de Alagoas, indicado ainda na gestão Maiurino.

A segunda, devido à acusação de Bruno Calandrini. O delegado disse em mensagem a colegas que não teve autonomia para conduzir o inquérito e relacionou a não transferência de Milton Ribeiro de São Paulo para Brasília, como a Justiça havia ordenado, a uma decisão superior.

O caso gerou o envio do inquérito para o STF, que decidirá se abre nova investigação sobre interferência na PF.

Para delegados experientes do órgão, as crises e as sucessivas trocas de comando geraram desorganização interna e ausência de unidade na atuação dos investigadores.

Para eles, não há na história recente do órgão outro período de tamanha turbulência.

Dois momentos anteriores de tensão, a troca do diretor Paulo Lacerda por Luiz Fernando Corrêa, em 2007, e a demissão de Fernando Segovia, em 2018, não impactaram o dia a dia da PF, dizem.

Sob Bolsonaro, houve queda no número de prisões em casos de corrupção, parcialmente explicada pela mudança do Judiciário após a Lava Jato.

Além disso, o órgão voltou suas forças para ações de repreensão ao tráfico de drogas, em contraposição ao foco de anos anteriores, com combate a desvio de dinheiro público e lavagem de dinheiro.

POR FOLHAPRESS

 

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