Engenheira retorna a Feira após momentos de desespero no RS: 'Não queria morrer daquela forma'
Feirense relatou dias de terror em hotel de Porto Alegre.
Na semana passada, a engenheira Tayane Canuto, de Feira de Santana, viajou para a cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul, com o marido e a mãe dele, para juntos celebrarem mais um ano de casados e viram a comemoração de casamento se transformar em um verdadeiro pesadelo, em decorrência das chuvas e dos alagamentos que afetaram as cidades daquela região do país. Até quarta-feira (8), chegam a 100 o número de mortes confirmadas no Rio Grande do Sul.
Em entrevista ao Folha do Estado, Tayane Canuto, que conseguiu retornar a Feira de Santana em segurança com sua família nesta terça-feira (7), relatou os momentos dramáticos vivenciados por eles, após terem que cancelar todos os planos e roteiros da viagem, saírem às pressas de Gramado até Porto Alegre, a fim de negociarem com a companhia aérea a volta para casa.
"Ao chegar em Porto Alegre, percebemos que o tempo estava bem fechado. Sofremos muita turbulência no avião e ao pousar fomos direto à locadora alugar um carro para ficarmos lá esses dias. A chuva começou a cair muito forte neste momento, a gente ficou bem apreensivo. Comecei a olhar a previsão do tempo e acusava que ia ter chuvas a semana toda, mas continuamos a viagem crendo que a chuva poderia cessar. Ao longo dos dias, vimos que a situação foi se agravando e não tivemos mais como fazer os passeios planejados, tudo começou a fechar por contas das fortes chuvas. Então alteramos o nosso roteiro, ainda chegamos a visitar alguns museus e restaurantes, mas a gente sentiu um clima diferente na cidade. Havia bombeiros passando, tinham acontecido acidentes nas estradas", relatou.
Segundo a engenheira, ela e o marido souberam através de notícias que algumas estradas que davam acesso a Porto Alegre estavam fechadas, foi quando começaram a se preocupar.
"Nosso voo era no outro dia pela manhã. Decidimos arrumar nossas coisas, perdemos uma diária no hotel e fomos para Porto Alegre na sexta à tarde para não perder nosso voo que seria no sábado pela manhã. Um amigo nos indicou uma estrada de chão que seriam 2 horas mais distante, mas a gente conseguiria chegar bem até Porto Alegre, e nos indicou um hotel próximo ao aeroporto. Na estrada vimos alguns deslizamentos de terras, postes caídos. Ao chegar lá, vimos muitos congestionamentos e alagamentos. Na rua do hotel estava seco, uma avenida enorme, mas as ruas ao lado que davam acesso a essa avenida estavam todas alagadas. Foi difícil conseguir nos hospedar porque havia muita gente", contou ao Folha.
Após conseguir se instalar no hotel em Porto Alegre, o casal passou a negociar com a companhia aérea uma mudança no voo, sem sucesso, e tiveram que aguardar, mesmo diante do temor de que a água começasse a se alastrar rapidamente, o que de fato ocorreu horas depois.
"Começamos a ligar para a companhia aérea pedindo a modificação do voo para outra cidade mais próxima com aeroporto, mas eles não deram uma resposta positiva e disseram que só poderiam alterar o voo na mesma cidade. Só que o aeroporto foi fechado e não tinha condições nenhuma de pegar o voo, pois a pista já estava alagando e nosso voo foi alterado para terça-feira. Ao acordar sábado pela manhã nos deparamos com muita água, a rua do hotel já estava toda alagada, os funcionários começaram a se mobilizar, a colocar cimento e pisos na porta, para fazer uma barreira para a água não entrar, os carros que estavam na parte mais baixa eles colocaram na parte mais alta. Eu vi toda aquela situação e chorei muito, me desesperei, falei com meu esposo que eu não queria morrer daquele jeito. Ficamos presos no hotel, olhando pela janela as pessoas passando em canoas, com crianças e cachorrinhos no colo, todos tentando salvar suas vidas."
De acordo com a feirense, durante o período em que passaram no hotel, muitas explosões aconteceram e uma forte fumaça podia ser vista de longe.
"Começamos a ver uma fumaça muito grande no céu e depois ficamos sabendo que um posto de combustível tinha explodido próximo dali. Vimos helicópteros dos Bombeiros passando e vimos explodir algumas redes de energia, o barulho era muito forte e a partir daí ficamos sem energia no hotel. Nesse dia o tempo demorou a passar. Tentávamos tirar um cochilo, mas acordávamos assustados, e meu celular estava próximo de descarregar. A rede social virou um meio de comunicação para mim, e quando a internet estava boa eu atualizando meus amigos através de postagens. O hotel que ficamos foi uma benção, ficamos surpresos com a solidariedade dos funcionários com os hóspedes, mesmo alguns estando sem casa. Já não éramos mais clientes, ali tinha se tornado um abrigo", afirmou.
Nas horas que se seguiram, o coração continuou apertado, o medo da morte tão perto, mas a fé também estava presente, e a família acreditou que poderia sobreviver a tudo aquilo.
"A comida foi racionada, mas eles conseguiram dar almoço para a gente. Era arroz, frango e batatas, não tinha o que escolher, precisávamos sobreviver. À noite eles tiveram a ideia de colocar um saco de papelão em cada quarto com dois mistos e um achocolatado por pessoa, e alguns pãezinhos, para a gente dividir, comer à noite e no café da manhã do outro dia. Nesse dia, às 18h, no sábado foi desligado o gerador. Tivemos que subir para o quarto e foi a madrugada mais longa da nossa vida. Nesse dia não tinha chovido, mas a partir das 20h começou muita chuva e passamos a madrugada toda de chuva forte. Nosso coração ficou muito apertado, a mente o tempo todo pensando que iriamos morrer naquele lugar. Em outras horas a gente mantinha a fé e acreditávamos que iriamos sair de lá."
Foi uma madrugada de terror, as pessoas não conseguiam dormir. No domingo, o hotel já estava totalmente alagado na parte térrea e a água subia lentamente os degraus da escada, alcançando o primeiro andar.
"Já não tinha mais água potável, não tinha mais como tomar banho, a água estava misturada com esgoto. No domingo, recebemos uma ligação. Meu pai estava em contato com um amigo de Porto Alegre para ele tentar nos ajudar, pois tinha uma região da cidade que não estava inundada, mas para a gente sair de lá precisava de um carro grande ou canoa. Então, o amigo que fizemos em Gramado nos disse para sairmos de lá, que ele iria conseguir um carro para nos tirar da cidade. Meu esposo desceu para esperar passar um barco ou carro para nos tirar de lá. Esperamos algumas horas, arrumamos nossas coisas. Passou um carro de energia, pegamos nossas malas e descemos correndo, mas tivemos que deixar uma mala no hotel e outra que estava no porta-malas do carro alugado, pois não tínhamos mais acesso a ele, estava debaixo d'água. Fomos resgatados pelo carro da energia, eles nos ajudaram a caminhar pela água em segurança, e nesse veículo tinha pessoas de outros hotéis, pessoas com crise de ansiedade e o desespero muito grande. Em alguns momentos parecia que a gente iria parar, pois a água já estava ultrapassando os pneus", relatou.
Ao chegarem finalmente à parte seca da cidade, a sensação foi de alívio, misturada com outras emoções.
"Quando chegamos à parte seca foi o momento mais feliz. Foi algo muito estranho, pois uma parte de Porto Alegre estava inundada e outra completamente seca. Tinha voluntários lá, pessoas dando comida, água, eles comemoraram a chegada das pessoas com vida. Naquele dia vimos o amor e sentimos de perto o cuidado do ser humano, mesmo sem conhecer. Um carro nos buscou em um shopping e conseguimos ir embora. Para sair de Porto Alegre foi muito tenso, passamos três horas de relógio para fazer 40 km de estrada. Todos estavam tensos, querendo sair da cidade. Nesse momento soubemos que tinha estourado uma barragem e passavam muitos carros de ambulância, foi um terror. Chegamos a Florianópolis e fomos hospedados por um casal, amigos do meu esposo. Eles nos abrigaram, e nesse processo fiz um apelo à companhia aérea e eles conseguiram mudar nossa passagem para o aeroporto de Florianópolis para a terça-feira pela manhã e foi ali que o alívio começou a chegar. Depois desse caos, veio a paz, com a certeza de que na terça-feira estaríamos de volta a nossa casa."
De acordo com Tayane Canuto, apesar de todo o caos da viagem e o desespero ao ver pessoas desabrigadas, perdendo tudo, eles conseguiram fazer amigos e mantém contato com eles sobre a situação no sul.
"Lá a gente viveu momentos de terror, mas fizemos muitas amizades, pegamos o contato de todas as pessoas, das redes sociais, e estamos em contato com essas pessoas e recebemos a notícia de que estão bem e em suas casas. Só uma moça de Guaíba, que foi muito afetada, não pode voltar para casa, mas está bem. Muitos não tiveram a mesma sorte que nós de conseguir sair, somente com a roupa do corpo, em abrigos, alguns perderam parentes. Oramos para que essa situação passe, que as pessoas consigam se recuperar e ter os familiares vivos. Percebemos que o que mais nos importava era nossa vida. As coisas que deixamos para trás, as roupas, vamos conseguir recuperar. Mas a vida uma vez perdida a gente não consegue mais voltar", desabafou.
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