A afroconveniência como expressão do racismo
Uma discussão importante sobre no debate sobre consciência negra
Profa. Railda Neves
Considerando as nuances que permeiam a discussão racial no Brasil, a situação da auto declaração, para alguns, é deveras é delicada. O racismo não permite transparência nas discussões. Logo, precisamos escurecer para entender melhor.
Vejamos o que diz o Estatuto da Igualdade Racial:
A população negra é o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme o que afirma o estatuto, preto é negro, pardo é negro. Ambos pertencem a raça negra. O termo raça negra é politicamente pensado para demarcar o lugar das ausências do negro, evidenciar os diversos níveis de desigualdade, a falta de acesso a direitos, entre outras questões que vieram inclusive justificar a importância das cotas raciais para promover equidade.
A grande questão é pensar se os sujeitos de pele clara sofrem as mesmas ingerências que aqueles que tem uma quantidade de melanina mais acentuada na pele. Nenhuma pessoa de pele clara vai ser vista com o mesmo olhar como são vistas as inquestionavelmente negras.
Assim sendo, ainda que alguém de pele clara se autodeclare pardo/a, seu lugar de privilégio fica mantido. Não será parado pela polícia enquanto vai para o trabalho, para a escola, lazer. Um estudante negro de engenharia, mandou fazer 5 camisas com a inscrição: "Engenharia: UFBA", a intenção era tentar garantir que retornaria vivo para casa, todos os dias depois das aulas. Isso porque, ele sabe, nós sabemos, que o corpo matável, a priori, é o corpo negro.
A afro-conveniência tem se tornado cada vez mais comum, basta que de alguma forma declarar-se pardo ou negro represente algum "benefício". Contudo, há que se reconhecer que se ela existe é porque, de alguma forma, está sendo feita a leitura de que nós estamos abrindo caminhos para chegar a lugares antes inacessíveis.
Cada "chegada" aos lugares antes inacessíveis, é uma conquista alcançada pelo povo negro. Por isso, é preciso discutir a questão racial em diferentes momentos durante o ano. Essa discussão processual contribuirá para que a consciência negra, a consciência identitária vá se formando e forjando a necessidade de garantias de direitos para todos/as. Desse modo, a "chegada" de muitos deixa de ser representação e passa a expressar mudança real na fotografia dos diversos espaços, inclusive nos de poder e saber.
A formação da consciência negra vai ajudar no entendimento de que a afro-conveniência é uma forma dos mesmos continuarem dominando os espaços que lhes foram historicamente destinados.
Desse modo, a afro-conveniência é uma forma de querer continuar "chegando", usando como meio os critérios que tornam possível a "chegada" de outros sujeitos. A branquitude quer continuar "chegando" a qualquer custo. Temem uma hegemonia negra. Essa tentativa velada de frear o acesso do povo negro aos espaços que lhe foi negado, é uma das mais fortes expressões do racismo brasileiro.
A branquitude é um lugar confortável. Dizer-se pardo não proporcionará ao auto declarante o desconforto que os pardos e pretos experimentam. O chamado Pacto da branquitude só se romperá quando a pessoa, reconhecida como branca, assumir a defesa explícita da luta contra o racismo estrutural, ajudando a desmistificar a ideia da democracia racial. Enquanto isso não ocorre cabe ao povo negro, a luta cotidiana contra todas as formas de "construção do não ser"; termo utilizado pela pesquisadora Sueli Carneiro.
Por ser o racismo expediente praticado por um criminoso invisível, é fundamental alimentar as discussões sobre ele, denunciar situações e encontrar alternativas, especialmente na educação, para que sua desconstrução ocorra. Por isso, essa não pode ser uma discussão esporádica. Precisa ser processual e contínua.
O pensamento colonial, o racista, está ao nosso lado, não do nosso lado, basta olhar para a esquerda ou para a direita, aqui, ali e alhures.
O fortalecimento da presença dos corpos negro nos espaços de saber e poder, como resultado do esforço de uma sociedade reeducada, é a celebração da certeza de que, o que nos une é ou deve ser maior que o que nos separa.
*Graduada em História e Mestra em História da África da Diáspora e dos povos Indígena
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