Pagar imóvel com dinheiro vivo é recusado por imobiliárias
A reportagem consultou 20 empresas do setor imobiliário
Comprar imóvel usando dinheiro em espécie é um desafio no mercado imobiliário brasileiro. Em geral, construtoras, incorporadoras, imobiliárias e casas de leilão recusam transações com cédulas e moedas. A justificativa é segurança, afirmam as empresas.
A forma de pagamento não é ilegal, mas rara, em razão da burocracia exigida para sanar a desconfiança de um mercado vulnerável à lavagem de dinheiro.
Nesse sentido, o histórico da família Bolsonaro destoa das práticas do ramo. Segundo o UOL, quase metade do patrimônio em imóveis do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e de seus familiares mais próximos foi comprada total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde 1990.
A reportagem consultou 20 empresas do setor imobiliário, entre construtoras, incorporadoras, imobiliárias e casas de leilão, e não encontrou quem aceitasse o pagamento em espécie.
A Lopes afirma ter como compliance não fechar negócio dessa forma pela dificuldade em rastrear a origem do dinheiro.
A Loft afirma que recusa essa forma de pagamento na venda dos imóveis do seu portfólio próprio. Já nas propriedades de terceiros ofertadas em seu marketplace por qualquer pessoa, "não tem o poder de vetar a transação".
"Porém informamos ao Coaf [órgão de inteligência financeira] caso haja pagamento em espécie ajustado no contrato com valor superior a R$ 100 mil, respeitando os termos da legislação em vigor", diz a Loft.
A Plano&Plano também não aceita pagamento em espécie. Com perfil de cliente que opta pelo financiamento do imóvel junto à Caixa, mesmo com entrada em valor inferior a R$ 500, os pagamentos são feitos por transação bancária (Pix, DOC, TED ou boleto).
A Zukerman Leilões não aceita pagamento em dinheiro nem da sua comissão. "O pagamento do imóvel, no caso dos leilões extrajudiciais, é feito diretamente para a empresa ou instituição bancária por meio de TED ou boleto bancário", afirma a casa de leilões.
"Nos leilões judiciais o pagamento do imóvel é feito através de Guia Judicial", diz.
A empresa afirma ainda que no processo de arrematação são feitas análises para a prevenção de lavagem de dinheiro, preenchimento da ficha do Coaf e declaração de origem de recursos.
A Superbid Exchange afirma avaliar como arriscado se envolver numa transação com dinheiro vivo. "Não atende normas de compliance por não ser possível rastrear a origem do dinheiro, além de outras questões ligadas à segurança", diz a diretora de Real Estate Andreia Tavares.
As demais empresas, que preferiram não ter seus nomes citados, também dizem não aceitar dinheiro em espécie.
De acordo com o Banco Central, uma cédula de R$ 100 pesa 0,25 grama. Sendo assim, R$ 1 milhão em notas de R$ 100 pesa 2,5 kg. O peso aumenta com notas de menor valor por causa da maior quantidade de cédulas.
REGRAS CONTRA A LAVAGEM DE DINHEIRO
Desde 2017, órgãos reguladores impõem aos vendedores e compradores de imóveis, sejam pessoas físicas ou jurídicas, o preenchimento de documentos com informações sobre a origem de recursos para evitar a lavagem de dinheiro.
Os cartórios de registro do imóvel também estão sujeitos a penalidades se não comunicarem à unidade financeira o uso de dinheiro vivo na transação.
"Há, a rigor, a obrigatoriedade de os tabeliães informarem ao Coaf sempre que houver referência, nas escrituras, ao pagamento em espécie em valor superior a R$ 30 mil", afirma o advogado Pedro Serpa, do S2GDC Advogados.
"Não é comum esse tipo de transação, porque não tem razão prática de fazer o pagamento em dinheiro", diz o especialista em direito imobiliário.
Segundo o escritório Mattos Filho, entre as obrigações do setor para evitar a lavagem de dinheiro está avaliar com maior rigor propostas que levantem suspeita, como pagamento em dinheiro, oferta acima do valor de mercado, impossibilidade de identificação do beneficiário final, resistência ao fornecimento de informações ou prestação de informação falsa ou de difícil verificação.
A plataforma do Registro de Imóveis do Brasil, que reúne informações e dados oficiais dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro desde 2012, diz não ter acesso ao número total de imóveis comprados ou vendidos com dinheiro em espécie no país.
Para obter a informação sobre a forma de pagamento, é preciso acessar cada matrícula de imóvel pelo site.
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