Lei Maria da Penha faz 17 anos: veja o que avançou na rede de proteção à mulher
O direito à proteção de meninas e mulheres cresceu
Há 17 anos, as mulheres conquistaram proteção na Justiça contra a violência doméstica: era 7 de agosto de 2006 quando foi sancionada a Lei Maria da Penha (n. 11.340/2006). A norma foi a primeira vez que um crime foi classificado como violência de gênero, isto é, aquele que é cometido intencionalmente contra uma mulher, porque ela é mulher.
Quase duas décadas depois, o direito à proteção de meninas e mulheres cresceu e virou uma rede. Confira nesta matéria uma série de avanços proporcionados pela Lei Maria da Penha, de acordo com especialistas.
Visão de gênero, pela primeira vez
Segundo a pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher (Nepem) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos, o triunfo da Lei Maria da Penha foi, finalmente, instituir o conceito de violência de gênero. "Isso, sem medo de falar a palavra gênero, que é um campo de estudo de pesquisa na ciência desde os anos 80. Violência doméstica é resultado da história de dominação masculina e racial, um polo se sente no controle e objetiva o outro. Não teria como tratar violência doméstica sem ser como problema de gênero", afirma.
Inserção das medidas protetivas
Outro mecanismo que a Lei Maria da Penha instituiu foram as medidas protetivas. Para cortar o ciclo da violência, a mulher pode solicitar o afastamento do agressor e proibir a sua aproximação e contato, assim como com seus familiares e outras testemunhas. Além de outras medidas, analisadas caso a caso. "Na Lei Maria da Penha, as medidas protetivas são de grande efetividade para proteção da vítima. Com elas, o juiz pode analisar o caso e aplicar o que for necessário para garantir a segurança e autonomia da mulher, desde a proibição do contato até a aplicação de pensão alimentícia", explica superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Comsiv) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Evangelina Castilho Duarte.
Lei do feminicídio
Nove anos após a Lei Maria da Penha, a lei do feminicídio (nº 13.104/2015) foi sancionada. De acordo com Castilho Duarte, esse foi mais um dos resultados do avanço da discussão da violência contra a mulher iniciada pela concepção de violência doméstica como problema de gênero. "A Lei Maria da Penha abriu esse caminho de defesa. O que, antes, era tido como lesão corporal e homicídio, passou a ser violência doméstica e feminicídio. Como questão de gênero, o agressor de uma mulher que a assassina tem o crime qualificado e na lista de crimes hediondos, com penas mais altas. É uma forma de punir e tentar evitar o aumento da violência", continua a superintendente.
Em março deste ano, uma condenação por feminicídio marcou a história de enfrentamento do crime em Minas Gerais. A justiça se valeu da Lei do Feminicídio para considerar culpado e definir a pena de 22 anos para o promotor André de Pinho por matar dopada e asfixiada a esposa Lorenza, também vítima de violência doméstica.
Fim da legítima defesa da honra
Em continuidade às portas que a Lei Maria da Penha abriu, a derrubada da tese de legítima defesa da honra para justificar crimes de feminicídio no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi a mais recente e, também, uma das mais tardias. "A autorização que os homens tinham para lavar a honra com sangue é um argumento do período Brasil colônia. O STF precisou parar a agenda para dizer que é inconstitucional. É até difícil de acreditar", questiona a pesquisadora Marlise Matos.
Na sua avaliação, as conquistas de proteção das mulheres demandam muita luta social e, mesmo com uma base cada ano mais sólida, ainda enfrentam problemas que já deveriam ter sido vencidos. "A mulher conquistou o direito de ser autônoma e não vinculada à posse da família ou do marido, mas, mesmo assim, em 2023, estamos reafirmando uma decisão que é protegida pela constituição de 88", continua.
Empoderamento da voz das mulheres
Não foi de um dia para o outro que a Lei Maria da Penha foi sancionada. Ela é, na verdade, o resultado da luta da farmacêutica Maria da Penha Fernandes, que foi abraçada pelo movimento de mulheres no Brasil. Em mais de vinte anos de violência doméstica, ela sofreu duas tentativas de feminicídio pelo homem em que era casada. Uma por tiro de espingarda, que a deixou tetraplégica, e outra por eletrocussão durante o banho.
"A luta pela independência da mulher é antiga. A Lei Maria da Penha surgiu porque o judiciário não deu a devida atenção ao seu sofrimento (da Maria da Penha). A pena, no primeiro caso, foi aplicada por lesão corporal, muito leve, e o agressor saiu livre. Depois de muitos anos de protesto, na segunda tentativa, o caso precisou ir à corte internacional. E o Brasil foi denunciado por negligência e obrigado a elaborar uma lei", rememora a superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica (Comsiv) do TJMG, Evangelina Castilho Duarte.
O resultado é, 17 anos depois, cada vez mais mulheres cientes de seus direitos e porta-vozes da própria autonomia. "Durante esse percurso, as mulheres tomaram mais consciência do que é violência de gênero e estão mais corajosas a denunciar. Esse é um dos motivos do porquê as denúncias de agressões aumentaram, a vítima deixa de ser passiva e busca proteção. Ela sabe que a violência não é certa, não há justificativa e a culpa nunca é da vítima", explica Castilho Duarte.
Trabalho em rede
Uma vez que a violência contra mulher é identificada e criminalizada, inicia-se com a Lei Maria da Penha a frente de prevenção e enfrentamento aos crimes. "Com certeza uma das maiores contribuições da Lei Maria da Penha foi o início de uma proteção em rede. Além da consciência de que uma mulher precisa defender a outra, entendeu-se, de uma vez por todas, que o Estado, o poder legislativo, o judiciário, os órgãos de segurança e defensoria, todos precisam atuar mecanismos de proteção em conjunto", reforça a Evangelina Castilho Duarte.
Mesmo assim, de acordo com a pesquisadora Marlise Matos, muito se perdeu nos últimos anos e precisa ser resgatado. "Se o enfrentamento à violência de gênero é uma política de Estado, onde estão as varas especializadas? Cadê as delegacias especializadas no atendimento à mulher? Precisamos de um centro de referência, o que aconteceu com a Casa da Mulher Brasileira?", questiona. "Houve um recente apagão de coordenação para essas políticas", continua. Esse que, segundo Marlise, é um novo desafio para o Estado e o movimento das mulheres.
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